O Menino no Horizonte do Mundo
Passos tímidos e inseguros que entortam a madeira apodrecida do velho pier são abafados pelo som do vento e das águas. Vento e águas que juntos trazem um frio que parece vindo do horizonte onde as águas infinitas dos dois oceanos tocam-se: as do mar e as do ar. O céu é um oceano de nuvens desbotadas, a desbotar os tons de toda a paisagem. O frio cortante contraí todos os músculos, aquecendo o peito que o tempo e o presságio de morte congelaram. Um sorriso se forma e se dissolve num instante, como uma das muitas ondas que sobem e quebram na costa, como toda a humanidade. O menino olha mais uma vez a beira do infinito, onde algumas aves corajosas parecem dançar e brincar no ar com a mesma graça, coragem e autenticidade dos cupidos que enfeitam capelas e quadros renascentistas. Alguém mais veria as aves de carne e os cupidos de tinta?
Mas não há real autencidade em seus movimentos, apenas instinto e a crua luta sem sentido pela sobrevivência. Não ouviram o anúncio do fim. O menino sabe que o horizonte não é realmente infinito, mas apenas o limite da superfície de uma frágil gotícula azul, suspensa numa escuridão, esta sim, infinita, e cheia de perigos. Quer chorar, mas não sente tristeza, é algo além desta, algo que meras lágrimas não exprimem. Não é exatamente um menino, viveu muito para sua espécie, mas sente-se em alma um menino ante a imensidão de todo o resto que vem ceifar-lhe a pequena e miserável vida.
Cortinas de nuvens se abrem para a imensa pedra espacial que adentra a atmosfera terrestre, e vento e mar soam como trombetas a anunciar a chegada do anjo da morte em sua carruagem de fogo a riscar de branco e laranja o céu. Há muito aceitara sua morte, mas agora tem que aceitar a morte de tudo o que conhece. Aceitando ou não, ela está vindo, e bilhões de olhos se unem naquelas últimas horas que seriam contadas, e então se fecham. Para sempre.