OS BOTÕES DE MINHA AVÓ
Existem oportunidades que perdemos e não voltam mais.
Um a um eu os enfileirava sobre a colcha de retalhos, de todos os tamanhos, coloridos brilhavam com os raios de sol entrando pela janela. Minha avó os guardava em um frasco, e era como se ela tivesse guardado um pedaço de cada momento de sua vida em um potinho.
Sentada na beira da cama a linha passava pelos buraquinhos “Tem que fazer uma cruz no meio, tá vendo?”. Depois todas as peças voltavam para os seus lugares.
O tempo é algo surpreendente, por mais que tentamos agarra-lo, escorre por entre nossos dedos sem que possamos nos dar conta. Vinte e cinco anos se foram e me peguei estagnada no meio da casa vazia com o pote em minhas mãos e lembranças jorrando por meus olhos, foi depois do enterro.
Os botões ainda estavam lá, e eu sabia que todos tinham passado pelas mãos calejadas de minha avó.
Toda minha infância inundando a memória, consegui sentir o cheiro da antiga casa e até o medo infantil que eu tinha dela; dos monstros escondidos em velhos retratos, nos objetos de louça na estante, nas cortinas de pano cobrindo as portas, nas janelas de madeira fechadas por tramelas, na grota que ficava nos fundos da casa.
Lembrei-me de minha avó e sua presença silenciosa, plácida e simples de quem se doou por inteiro a todos a sua volta, esquecendo-se ou abstendo-se de sua própria vida.
Todas as peças permaneceram em seus lugares onde as encontrei, objetos sem valor algum, mas que traduzem minha vida, como códigos decifrados, um a um, se encaixando num todo. Eu poderia tê-los pego, gostaria de ter feito isso, mas não fiz. No fundo sei que não me trariam o que realmente importa, oportunidades são escolhas, trocas, barganha.
A vida segue seu curso e me faz pensar que as pessoas são frágeis como galhos, quando secam, simplesmente se quebram. Sobram apenas as lembranças que, um dia, o vento também arrasta para o esquecimento.