Um cliente nota mil.
Certa feita, em uma noitada, na mesa ao lado surgiu uma espécie de monólogo que tive que ouvir por minutos a fio… Na verdade era uma conversa onde sujeito de camisa preta e chapéu tipo Caubói falava mais que todo mundo junto.
- ... Eu sou o cliente número um dessa agência aqui, oh! - Apontando para a região onde fica a agencia Centro Porto Velho do Banco do Brasil. - Sou tratado que nem rei lá. Também já fiz de tudo pra eles. Já dei foi uma festa inteirinha no Natal de um ano desses ai. Já até transportei dinheiro no meu carro pra eles. O maior perigo! Quase duzentos milhões! Porta malas lotado só de cédulas de cinco mil. Perguntei do gerente, o Zeca: 'tem medo d'eu fugir com esse dinheiro todo não?'. Ele olhou com aquele oião torto dele e me disse: 'Seu Apolinário! O senhor é a pessoa mais confiável dessa cidade. Confio mais no senhor que n'eu mesmo!' . Disse que não mandava a policia junto primeiro pra não chamar a atenção dos bandidos; depois por não ter muita confiança, não, nesses policiais que entraram agora...
Tomou mais uma golada de algo que parecia Uísque e continuou…
- Teve um tempo que eu tinha até a combinação do cofre. Num envelope lacrado, é claro. Que também eu não sou nem doido! - e deu uma gargalhada.
Na sua mesa havia um casal e uma menina que até parecia ser menor de idade. Só ele falava. Até porque ele não dava espaço. De longe tudo parecia normal. Mas pra mim, ali ao seu lado, embora de costas um pro outro, era impossível não ouvir toda a conversa com perfeição. E que conversa. Na minha mesa apenas eu, que bebia um Campari com limão e gelo. Eu fazia questão de não ser notado pelo espalhafatoso vizinho. Primeiro por não gostar desse tipo de conversa e exposição, depois para não constrangê-lo, póis sendo também cliente antigo da tal agência, conhecia-lhe muito bem. Voltando a ele, quando eu achava que estava se calando, retornou com todo gás.
- Agora as coisas tão ficando diferente... É! Mas a confiança é a mesma. A única empresa que presta serviços de manutenção lá na casa forte deles... - deu uma parada como se tivesse arrependido de ter iniciado a frase, tomou mais um gole e depois terminou - É a minha... Pra gente entrar lá tem que passar por cinquenta e três portas além de esperar em 23 câmaras onde uma porta só se abre quando a outra já estiver fechada e trancada e tem um guarda em cada uma delas... É! Né mole não! E tem mais, cada porta dessa pesa mais de uma tonelada. E tem outra. entrada não fica ai nessa agência não... Mas ai já não posso dizer onde fica. Mas sei tudo isso e conheço lá mais que a maioria dos funcionários deles... - Gargalhou novamente. Se levantou foi no banheiro e depois retornou a falar aos seus amigos, agora em maior número, que apenas ouviam. Alguns pareciam incrédulos, mas outros, admirados.
- Uma vez precisei de um dinheiro com urgência;era domingo. o Zeca nem perguntou nada, pegou a chave e fomos la no cofre... Eita gente boa... De todos esses funcionários antigos só tinha um que eu não ia muito com a cara dele. Na verdade era ele que não ia muito com minha cara... Foi embora! Pro Nordeste, acho.
Um dos amigos dele interagiu:
- Tem que ter muito dinheiro pra abrir uma conta lá?
- Não só dinheiro como também tem que ser pessoa de bem. Pode vir o bandido mais rico do mundo e eles não tão nem aí. Pedem informações de tudo que é lugar. E se o cara tiver muito dinheiro aí eles pedem informações até do SNI. Agora se o papaizinho aqui disser uma palavrinha a favor... aí também a coisa muda de figura. O Zeca diz logo: "Se é da sua confiança, quem sou eu pra desconfiar?!"
- Faz muito tempo que o senhor tem conta aí? - Foi a mulher dessa vez.
- Num tô falando que sou cliente número um... Minha conta é a número 1. Um, traço, nove…
Tomou mais uma dose da bebida e continuou…
- Sou o único cliente a pisar no subterrâneo...
- Como assim?
- Eles tem um subterrâneo igual aqueles túneis que os presos fazem pra fugir da cadeia... sabe? Pois eles usam para enganar os bandidos. Tem uma sala que fica quase um quilometro de distância. A gente dá um monte de voltas até perder a noção de direção. Depois segue uma reta. Só sei que não é pro lado do rio, claro. Mas se fosse pro lado do aeroporto, acho que a sala ficaria ali pelo Senai... E eu já fui lá... Agora é coisa de outro mundo. Tem ar condicionado, computador pra tudo que é lado... E tudo monitorado por Brasília. La no cofre principal, se entrar alguém não autorizado o cofre esquenta imediatamente até queimar todo o dinheiro. Não demora nem 2 minutos... Não dá tempo nem abrir o cofre... Tudo vira carvão.
E continuou a falar por muito tempo. Vez ou outra olhava pros lados pra ver se ainda tinha a audiência. Só parou quanto o garçom chegou perguntando de quem era um Fiat 147 que estava atrapalhando a entrada da garagem de um vizinho. Nem ele nem ninguém se acusou. Deu uma desculpa e foi no banheiro novamente. Na volta cochichou no ouvido do garçom e colocou algo no bolso da camisa dele. De longe parecia uma gorjeta. Voltoum pro lugar mas ai já não falava mais. Cinco minutos depois o mesmo garço chegou perto dele com uma chave de carro na mão e falou:
- Seu apolinário, olhe aqui sua chave... Deixei ao lado do orelhão...