O tempo (dois pequenos contos sobre a passagem do tempo)

1

Uma mulher sai de casa de madrugada para trabalhar.

O marido dorme profundamente, ela sabe que ele não a vai ouvir, mas mesmo assim despede-se como de despede há tantos, tantos anos, despede-se com carinho, não se despede por rotina.

Sabe que ele não a vai ouvir, mas faz questão de se despedir, sempre.

Quando o amor existe, quando o amor soube resistir à passagem do tempo, o amor arranja qualquer ocasião para se manifestar.

2

Conto passagem do tempo como toda a gente, usando calendários, ou o espelho, onde o alternar dos anos e o acumular de rugas e cabelos brancos, me indicam a passagem dele, mas também conto de outra forma: pelo número de coisas que vou escrevendo.

Tal é apaixonante e ao mesmo tempo assustador: o crescer de uma obra, que apesar de poucos irem ler, deixa-me feliz por saber que estou a fazer algo que vai ficar depois de mim, mas o avolumar dela, o contar não dezenas, mas milhares de textos, faz-me sentir que de facto o tempo passou desde que, nos começos dos anos 80, me sentei pela primeira vez em frente de uma máquina de escrever e comecei essa obra.

Mas sempre prefiro contar livros do que cabelos brancos, o tempo passa da mesma forma, mas passa de uma forma menos triste, menos deprimente...

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 02/02/2016
Reeditado em 02/02/2016
Código do texto: T5530972
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