PREDESTINAÇÃO X DETERMINAÇÃO = TIRANIA?
DA SÉRIE CONTOS CURTOS
CONTO N° 21
PREDESTINAÇÃO X DETERMINAÇÃO = TIRANIA?
Não sabia o porquê de ter se envolvido com os temidos ¨comunistas¨, afinal eram ¨ladrões de criancinhas¨ e ela, uma garota bem nascida, da classe média alta de Belo Horizonte, estudante dos melhores e mais tradicionais colégios da cidade.
O fato é que, quando se deu por conta, já estava participando da luta armada contra a ditadura militar, que se estabelecia cada vez mais forte numa nação de gente assustada, que andava falando de lado e olhando pro chão.
Eram tempos difíceis, de aparente calma. Entretanto os quartéis fervilhavam nervosismo e também medo, situação não muito diferente nas universidades e porões clandestinos das cidades, onde estudantes e militantes de esquerda conspiravam em busca da liberdade perdida.
E lá estava ela no meio de tudo isso, até ser presa e colocada nas terríveis masmorras fedorentas de sangue e suor, infligidas por carrascos impiedosos, que não cansavam de torturar, humilhar e fragmentar almas humanas.
Somente ela e Deus sabem o que realmente se passou. Tentou colar os cacos restantes de dignidade humana, se levantou, aprumou e tocou a vida em diante.
Tempos depois, refletiu e chorou na intimidade do seu refúgio. Tinha se tornado a primeira presidente de um país emergente e grandioso, legitimada pelo seu povo.
Predestinação ou resultado do planejamento de uma personalidade forte, determinada e comprometida com seus ideais?
Talvez nem um nem outro. Em verdade o destino lhe deu todas as ferramentas para acordar e alavancar, de uma vez por todas, uma nação adormecida por um povo que tem na sua origem cultural a indolência, a corrupção e a passividade, tão marcantes que se pode afirmar que é um povo com vocação para a¨servidão voluntária¨.
De nada valeu toda essa experiência de vida e o sofrimento de uma existência aguerrida e fiel a uma ideologia que se quer progressista e de esquerda, nem que seja somente do ponto de vista da linguagem. O poder, como sempre, cobrou caro sua senda. Tornou-se uma das governantes mais tirânicas que o país já pariu, passando como um rolo compressor sobre tudo e todos em suas decisões e ações.
Hoje, enclausurada em si mesma após um covarde e ilegítimo impeachment, talvez esteja novamente a chorar, dessa vez por perceber a gravidade histórica de ter contribuído, pela sua inabilidade e fragilidade política, com o desmoronamento de uma nação pujante e gigante pela própria natureza... forte, bela, impávida e colossal, cujos filhos deste solo, és mãe gentil.
Marco Antônio Abreu Florentino
https://youtu.be/uCGufhDGJ1U
(Serafim e Seus Filhos - Ruy Maurity)