MEU GURI

DA SÉRIE CONTOS CURTOS

CONTO N° 11

MEU GURI

Era o terceiro e último de uma leva de três, todos lindos, mas ele em particular, superava qualquer superlativo estético.

Cresceu feliz, amado pelos pais e irmãos. Havia uma estranha unanimidade por todos que o conheciam... era querido de forma irrestrita e absoluta. Talvez pelo sorriso contagiante e enigmático, acompanhado de um olhar mais que charmoso, realçando as feições já belas, como que desenhadas com todo esmero pelo mais perfeito dos artistas, o que transcende.

Na adolescência aprendeu a conviver com os reveses da vida: a separação dos pais, as dificuldades financeiras, a distância do pai tão admirado e algumas vezes incompreendido, as desavenças com os irmãos mais velhos... mas a tudo enfrentava com espantosa tranquilidade.

Também vieram momentos felizes: o nascimento da irmã mais nova, do sobrinho meio que filho, das saídas com os amigos e primos, da namorada carinhosa e meiga, do ingresso na faculdade e... do primeiro emprego, tão duramente conquistado por concurso público.

E este bendito (ou maldito?) emprego calou sua voz no auge de uma juventude regada por 21 primaveras, de flores tão vivas e viçosas, destruídas abruptamente por um crime sem castigo.

Quando encontrei seu pai no velório, suas primeiras palavras foram: - meu irmão, o meu guri... ele se foi, tiraram ele de mim.

Marco Antônio Abreu Florentino

https://youtu.be/N8HKFhA3E3A

(O Meu Guri - Chico Buarque)