Desassossego com a moça cega
Pediu-me a moça cega que a ajudasse a rua atravessar e, a uma travessa, que se segue do outro lado, a ajudasse mais um bocado, tinha uma ladeira a escalar, escorregadia e sombria, ao cume da qual se achava uma capela e tanto queria ela nela rezar, seus pecados apagar.
Só com voragem, mas sem coragem, de mirar naquela tez tão alva, vi ali de relance, num transe, uma alma já salva e, um tanto encabulado pelo pedido inusitado, segurei-a pelo braço, fi-la seguir segura por aquele pedaço, sem me sair contudo, do embaraço.
Ao chegarmos à capela, outeiro da Glória de tanta história, finzim de tarde, serena e acolhedora ela eis que a moça, sorriso de louça, a mão suave em meu rosto imberbe roça, diz que não é por troça, muito me agradece, que dela Deus se compadece e, um beijo, beijo doce me oferece.
Antes de meu rubor passar, ouvi e vi santo a me invejar.