O corcel
lá no seu bairro ele era a piada, nunca conseguiu roubar nada. O "sopa" era perito em cofres, "fluido" invadia casas, encontrava o dinheiro escondido e sem que vissem seu rosto, sumia sem deixar vestígios. Havia também o "vírus", mestre dos punguistas. Certa vez ele, batizado Aspirina (sua mãe tratava todos os seus problemas com o mesmo comprimido 500 mg) disse que acordou naquele dia pronto para o seu primeiro furto realizado com sucesso.
Decidiu que naquela noite não haveria desastres: nada de correria com tiro de sal ardendo no lombo, nada de cachorro tentando arrancar seu pé fora, iria até o fim, desse no que desse, ou mato ou morro! pensou com coragem, e teve de admitir, ou corro pro "mato" ou corro pro "morro" já se livrando do ímpeto de valentia.
como não tinha arma, tudo o que conseguiu foi uma chave de fenda tirada da garagem escura e suja do pai, que ele não soubesse, se não a surra de cinta seria certa.
caminhou a pé por avenidas, pegou alguns ônibus, roubar no bairro chama polícia e chamar polícia é fora do código de conduta, os criminosos da vizinhança iriam cobrar depois e isso não seria bom.
Desceu na vila prudente, já próximo a mooca, vai ser aqui, realizou em seus pensamentos pouco claros quase finalizando seu plano.
Mas faria o que? colocaria a chave no pescoço de alguém? ainda não estava pronto para isso. Foi quando viu um Corcel II 76, vermelho sangue com adesivo de time de futebol, juventus da rua javari, nunca viu uma combinação tão estranha, decidiu roubar o retrovisor, só pra esquentar.
Olhou ao seu redor, examinou a área, sentiu a adrenalina explodir em seu corpo e se pôs a desparafusar o artefato com muita pressa e falta de intimidade com a ferramenta. Entretido na sua tarefa, levou um susto, sentiu o corpo eletrificar e arrepiar até mesmo pelos que não sabia existir em seu corpo. alguém por suas costas disse com muita simpatia. Poxa meu querido, fazia tempo que eu queria consertar esse espelho, estava balançando não é? frouxo...obrigado por arrumar!
Era o maior negro da face da terra e suas dimensões fizeram um eclipse escurecendo de vez o entardecer. Seus braços possuíam músculos trincados feito ferro, a camisa aberta parecia querer rasgar com um peitoral de pedra aonde uma corrente sustentava um pingente de são arcanjo miguel faiscando feito estrela. Tremeu de medo, sentiu as canelas suarem frio e o negro botou a mão no seu ombro e aproximou-se, um touro manso, enorme e com hálito de cachaça perguntou: quanto lhe devo?
gaguejou, não foi nada. Muito obrigado então, você leva jeito. Entrou no carro e parecia que não conseguiria colocar aquele corpo truculento no banco do motorista. pediu pra empurrar um pouco o carro, por favor, estava afogado, mas o motor tangente ligou. Olhou para a chave de fenda na mão e achou bonita a imagem dela em seu punho. Pediu ao pai pra trabalhar com ele, faria um Senai. Meses depois já trabalhava na oficina e desmontava peças até tarde da noite