A VIDENTE
 
 
Julia embarcara em mais uma sessão de lágrimas, à procura de uma resposta que explicasse a enciclopédia de horrores em que havia se transformado sua vida amorosa, quando a melhor amiga garantiu:

— Você não vai se arrepender. Essa vidente sabe tudo!

Dois dias depois, lá estava ela diante da mulher e sua bola de cristal. Julia estranhou que o tal objeto estivesse de fato ali, mas sua vida andava tão esquisita que uma bola de cristal a mais ou a menos não faria diferença.

O figurino da vidente lembrava uma cigana de um filme antigo. Dona Carmencita transmitia uma espécie de segurança aos desafortunados que a consultavam. Antes mesmo de abrir a boca, Julia sentiu uma ponta de vergonha por estar tão frágil. Não. Desesperada era a palavra. Tarde demais para arrependimentos. Respirou fundo, e assumiu com todas as letras o que desejava:

— Preciso de uma luz.

A vidente olhou para Julia sem esboçar qualquer reação. E num gesto ágil deslizou os dedos sobre a bola de cristal. Uma, duas, três vezes. Dona Carmencita franziu as sobrancelhas:

— Não vejo nada.

— Mas a senhora não é vidente?

— Pra você ver. A coisa tá muito complicada pro seu lado.

— Isso eu já sei.

— Ter consciência é o primeiro passo.

— E o segundo?

— Vamos torcer pra que exista algum. Pague na saída, querida.

 
 
(*) IMAGEM: Google
 
Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 05/11/2014
Código do texto: T5024625
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