Amnésia
Voltava a pé pra casa e as sacolas de mercado em cada mão cansavam-lhe os braços. Comprou tudo conforme a esposa anotou a caneta num papel. Andou por quatro quadras, atravessou dois semáforos, uma avenida, uma viela e a sensação de que algo estava faltando na lista a priori lhe trazia um inconsolável desconforto. Entretanto já estava arquitetando piadas e frases irônicas para mulher: "depois sou eu o esquecido não é?" pequena e doce vingança. Mas deveria primeiramente lembrar o que ela esqueceu de anotar, caso contrário não teria nem moral nem graça. Esquina de casa, espantado empalideceu e descobriu qual o último item: esquece o carro na frente do mercado! sorriu envergonhado para o absurdo. Não deixou as compras em casa, voltou com as sacolas, sua mulher não poderia saber daquela vergonha, não queria ser a piada da semana. Retornando pelo mesmo percurso, por curiosidade olhou no verso do papel aonde estavam anotadas as compras e leu em letras garrafais: "amor, esqueceu o carro de novo não é? te amo"