a alucinação do tempo ( parte II)
Joaquim ainda era menino quando ganhou um relógio do seu pai, o sapateiro da vila. Antes de saltar esquelético e corado nos seus braços, beijá-lo e agradecer o presente, pegou na mão o artefato de ferro e o atrasou em quase 12 horas!:"mas por que isso menino?" perguntou atônito seu velho. "Deixa pra lá pai" com aquele sorriso pueril e misterioso, um sorriso moleque. A vida passou, e o tempo, esse déspota, mudou a paisagem e trouxe o outono e a despedida. Naquele ano, já com filhos e a mulher ao lado, Joaquim chorava inconformado a morte do pai em seu velório. Tirou do bolso o relógio velho, a única lembrança resistindo ao caminhar implacável das horas desde menino. Observou o engenho entre os dedos com amargura e murmurou sozinho: "e eu que queria atrasar esse momento..." ajustou então os ponteiros para o horário daquela tarde.