Ele lia-lhe histórias...

Conheceram-se um dia por acaso, como são por acaso as coisas mais belas da vida; ele achou-lhe piada de imediato, ela nem por isso, mas aceitou sem grandes resistências um convite para o trivial café, porque algo na abordagem dele lhe disse ser alguém que valia a pena conhecer. Não se enganou: às naturais resistências dum primeiro encontro sobreveio uma vontade mutua de se conhecerem, pelo elo que de imediato se estabeleceu entre ambos, elo que evoluiu docemente até á altura dos primeiros beijos e outras intimidades que só cabem entre eles os dois e nunca nestas linhas. Até que houve um dia em que decidiram ir morar juntos. Casamento não, era demasiado terminal a palavra para ambos, pois embora fossem incapazes de aventuras a ofender o sentido de cada um, preferiam estar juntos assim, duma forma docemente informal. Na primeira noite em parceria o jovem reservou-lhe várias surpresas que passaram por um jantar na quase penumbra com o Cd preferido dela como banda sonora do início deste dueto, até ao momento em que ele se escondeu e a deixou durante alguns segundos, momentos enormes de solidão até que quando ela ia chamar pelo seu nome, vindo da escuridão ouviu uma voz meiga a ler…Palavras mágicas vindas do quase nada que a encantaram duma forma sublime, momento único que o companheiro na melhor hora da vida de ambos se lembrou de oferecer.

A partir dai e para o sempre de ambos, antes de se deitarem ele repetiu o ritual da leitura, partilhando os dois as palavras que os tornaram num só com o correr dos livros e das paisagens, pessoas e mundos que ela nunca veria.

Ela não via, nunca o conseguiu, pois já nascera assim, e ele era um leitor e escritor compulsivo, deixando lentamente as leituras dos outros para passar às suas decidindo alterar essas histórias para melhor lhe ilustrar o seu mundo, evoluindo de uma forma que nunca ninguém imaginara, onde trabalhou as palavras até à sua modesta perfeição para ela melhor as poder visualizar, noite fora, sempre noite fora pois assim, na escuridão trespassada por um mínimo de luz, ele pensava e sentia estar junto da penumbra dela, para melhor a sentir e se aproximar desta que passou a ser a mulher da sua vida.

E isso eu posso assegurar, disso eu tenho a certeza, que eles foram pela sua enorme noite fora, foram felizes para sempre porque

Ele lia-lhe histórias...

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 07/12/2013
Reeditado em 07/12/2013
Código do texto: T4602175
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