Numa madrugada de muita chuva
Numa madrugada de muita chuva, eu vinha dirigindo há muitas horas, por uma daquelas péssimas rodovias do norte de Minas, quando percebi o vulto de uma mulher, no acostamento, fazendo sinais desesperados para que eu parasse. Pensei em seguir adiante, mas tantas vezes recebi ajuda por essas estradas, que resolvi parar. Desci da boléia, apesar da chuva, e quando me aproximei da mulher encharcada senti um calafrio que só mais tarde pude entender. Ela veio até mim, com palavras ainda mais desesperadas que seus gestos, dizendo, aos trancos, que havia perdido o controle de seu carro, que derrapou na pista molhada, e não conseguiu evitar a ribanceira. Chorando muito, disse que seus dois filhos pequenos estavam lá embaixo, presos no carro, que pelo amor de Deus eu fosse buscá-los, antes que morressem. Embora a essa altura eu me sentisse invadido pelo pânico, percebi que não poderia deixar de ajudá-la. Voltei ao caminhão, peguei a lanterna e quando retornei ao acostamento, não vi mais a mulher. Ainda assim desci pela ribanceira, escorregando, me agarrando nos arbustos, molhado até a alma. Depois de descer uns quarenta ou cinquenta metros, vi o carro, com as rodas para cima. Fui me aproximando devagar e escutei choro de criança. O alívio que senti foi como se os filhos fossem meus. Quando cheguei junto ao carro, vi as duas crianças, sem um ferimento, apesar do choro. Tirei-as de lá com muita cautela, e quando já me dispunha a subir o barranco com elas, alguma coisa me chamou a atenção. Olhei com mais cuidado e vi um corpo, preso sob o carro. Olhei novamente e reconheci ali a mulher que me havia parado na estrada.
Morta.