Cascas de ovos, serragem e anilina azul
Faz frio lá fora. O dia mal amanhece e eu tomo correndo o meu leite achocolatado. Minha mãe faz as minhas tranças e me obriga a usar um gorro para não sujar os cabelos antes de sair de casa.
Ansiosa, chego ao local onde já está fervilhando de pessoas trabalhando. Minha mãe se despede e me deixa com as freiras do colégio onde estudo.
É um trabalho voluntário(convocado)do colégio.
Nossa missão: ajudar a confeccionar o tapete onde irá passar a procissão à tardinha. O "tapete" confeccionado basicamente de serragem colorida, casca de ovos e pó de café se estende da igreja matriz dando uma grande volta pelo centro da cidade.
Encontro com as minhas colegas de classe e juntas vamos preencher uma parte do caminho. Fico decepcionada, pois o desenho já está riscado no chão e contornado com serragem tingido de preto. Também não temos permissão de chegar lá no meio, só nas beiradinhas.
Fico com um saco cheio de cascas de ovos brancos amassados. Espero os adultos terminarem de preencher os desenhos coloridos e completo com os meus "raios" brancos. Vejo as pessoas agachadas, completando o desenho, fico fascinada. Quero mexer na serragem colorida, mas as freiras-professoras não deixam, dizem que me sujará toda. Meus olhos enchem de lágrimas, estava esperando tanto por esse dia...
O tempo passa voando quando se está ocupada, e logo vejo mamãe vindo me buscar. Almoço e vou no meu vizinho, Valdir, perguntar se quer brincar lá na vila. Ele me diz que sairá com os pais, ajudar a terminar o tapete, pois o trabalho está atrasado. Pergunto se posso ir junto, eles concordam depois de falarem com a minha mãe.
Terminamos os últimos "tapetes" com a ajuda de todos, na maior correria, eu e o Valdir literalmente colocando as mãos na serragem . Nem dá tempo para voltar para casa. Vimos a procissão passar e destruir todo aquele trabalhão em minutos.
Volto para casa toda feliz. Com as mãos, unhas e o casaco de lã, tudo muito azul.
.Ainda fazem os "tapetes" para a procissão de Corpus Christi, no centro histórico de Santana de Parnaíba, São Paulo.