O desertor da Marinha
Cambaleia, baba e fala como quem chora, o vejo embriagado, às vezes fica caído numa calçada e o sol da manhã bate-lhe na cara e ele nem sente. São raras as vezes em que o vejo sóbrio. Conta mais de sessenta anos e ainda espera que a justiça lhe favoreça com a aposentadoria pelo força armada que por pouco tempo serviu. A mulher o deixou e ele não se queixa, tem uma filha bem casada com um médico e esta paga a diarista para cuidar da casa, da roupa e da comida dele.
Nos poucos momentos em que pude conversar com o Jorge na barbearia, antes dele ainda de começar os trabalhos do dia e a ressaca de ontem parecer o inspirar, ele disse-me com veemência de conflitos armados e forças de paz enviadas pelo Brasil para São Domingos e outras localidades da América Central, na década de 1960, auqndo ele era marinheiro. Nota-se que se expressa bem e é eloquente, como aqueles antigos oradores. Só que de outras feitas pude constatar que a conversa dele é repetitiva, é como um disco velho que não diz mais nada de novo.
Ele mesmo nunca disse me confessou abertamente que desertou, nem porque, mas muitos dos conhecidos e contemporâneos dele já me falaram: É que ele era muito farrista e bebedor sem limites, além de ser molenga quando estava de ressaca, por isso não se apresentava na navio no início da semana. A embarcação algumas vezes zarpava sem ele em outros portos e por isso ele foi sendo preso e punido muitas vezes, até que um dia o navio atracou em Fortaleza e ele resolveu abandonar a vida naval e desertar de vez.