Fim de tarde
Há muito tempo não parava para ver o por do sol. Naquele dia também não parou, e nem viu o por do sol. Mas foi diferente dos outros dias. Algumas mudanças no trabalho permitiram que ficasse fora de sua sala, e teve vista para o céu, do lado onde o sol havia nascido. Com um olho no trabalho e outro no arrebol, pode ver novamente o transformar do mundo em tudo avermelhado pelos raios finais do dia, até a perda da profundidade das montanhas em simples contornos negros contra um céu azul escuro que ainda resistia em sua luz profunda, do profundo abismo do universo. As nuvens seguiam em sua lenta marcha e metamorfose com o vento, que à muito ele não sentia soprar em seu rosto. A suave carícia do vento... Um olho no arrebol, o outro no trabalho. Um colega de trabalho não sentia a caricia do vento. Estava dentro da sala. Havia sido avisado no dia anterior que seria demitido, e cumpria aviso prévio. Seu rosto não expressava nenhuma sensação de carícia. A visão constante do colega o lembrava do quanto a sua situação era passageira. Como as nuvens. Passageiras e cheias de metamorfoses. O por do sol não visto, mas intuído pelos sentidos, não estava lá. Lembrou-se do poema. Deveria ter visto o mais por-do-sol, afinal, ao final, tudo se acaba. Não conseguiu concordar. Afinal estava ali, não no final, com sua extenuante carga de trabalho, necessária para a sustentação da família. Vai ser sábio no fim da vida e filha da puta pela vida inteira, só pensar em você e deixar sua família passando necessidade. Que sabedoria que nada. Não havia sabedoria nas nuvens, nem no por do sol. Haviam as nuvens e a tarde se desfazendo, e isso inundava os seus sentidos e já bastava. Não eram necessárias filosofias, nem sabedorias futuras. Era necessário o dinheiro presente para sustentar a família, era necessário o cumprimento das obrigações e dos compromissos. O trabalho era bom, não podia reclamar. E as contas estavam pagas. O colega de trabalho demitido ali na sua frente não teria isso. Não lhe adiantaria muito o por do sol. Já houveram tempos de observar o por do sol, e não eram tempos felizes. Alguns foram, mas tanto esses tempos quanto seus sonhos já haviam ficado para trás. Agora os tempos e os sonhos eram outros. E eram tempos e sonhos melhores. Tempos e sonhos, ambos escassos, mas melhores. Já o vento, agora era abundante e trazia um cheiro de chuva, e foi considerado como um maravilhoso presente.