Afagos da Existência


Seguia o meu avô por toda parte. Imaginava-o lá de cima, a mirar-me, sempre com seu cachimbo a alimentar, as pernas a embalar a cadeira de balanço suavemente e o chale sobre as pernas de frente a lareira. Era frio na nossa cidade a época do ano. Certa vez ouvi o grito de minha mãe lá de fora.

-Zeca venha almoçar menino!
-Já vou mãe!

Peguei meu pratinho e subi a meu quarto. De lá ouvia minha mãe a lavar os pratos e meu avô também a gritar pelo jogo de hóquei na televisão. Até parecia família de italianos. Me encerrava naquele momento em meu mundinho, enfim.
Novamente me chamaram para que fosse a escola, eu saí, depois de certa demora, com um pequeno embrulho. Minha mãe fez que não viu e então guardei na mochila. Não contava mais que 8 anos de idade. Aquela família era que tinha, meu pai morava longe, infelizmente.
Mostrei o embrulho a professora que parecia ter aprovado. Ela era meu verdadeiro guia, uma segunda mãe.
Todavia a minha verdadeira de casa já desconfiava porque andava eu misterioso com aquilo pra cima e pra baixo sem jeito. Ao tentar subir novamente as escadas de volta pra casa, meu avô Mariano me chama disfarçadamente para perto de si perguntando sobre o dia. Eu inocente me aproximei e ele, rapido para a idade de 85 anos, virou-me e meteu a mão por dentro de meu bolso. Me senti assolado, envergonhado, descortinado de meu ainda segredo.

- Não se pode esconder segredinhos e bilhetinhos na sua idade meu filho. O que é este papel?
- Uma carta...

Meu avô sacou os óculos ao lado da poltrona e pôs-se a ler com ligeira dificuldade. Visivelmente emocionado, a última linha dizia:

"Parabéns vô, hoje é o dia dos vovôs, esta cartinha é um trabalho da escola, mas quero dizer que nunca esquecerei de você, de quando me assistiu empinando a pipa ou montando o quebra-cabeças comigo. Vovô, te amo."

- Você também é nosso tesouro Zeca. - Disse com os olhos encharcados.

Contou-me depois que lembrava de sua pequena Marieta (minha mãe) brincando pela sala em tempos remotos. Sua velha companheira July, já havia falecido a 7 anos e nem me lembro de minha avó, só pelo retrato de cima do aparador da sala. Meu avô podia passar horas olhando aquilo. A nossa conversa, minha mãe analisava tudo de longe, e não ousou aproximar-se, apenas de sorriso de canto de boca, como a imaginar ali meu verdadeiro pai, não apenas o dela.
Hoje sou maior e nosso meninão Mariano mora no céu, como dizia minha mãe lá pertinho dos anjos, zelando por nós, ou junto de sua July, como queiram. Talvez era o que ele queria, mas sinto falta do jeito que ele me olhava, desse pequeno e singelo episódio que descrevi, dentre outros tantos. Mas não sou egoísta, ele me ensinou assim, e sei que está bem, faço apenas aqui ainda a merecer sua confiança.
Meu querido agora o seu retrato está ao lado do da vovó, não estou mais sobre esse teto, mas vejo ao visitar minha velha mãe naquela mesma poltrona de outrora...

Saudades.


José Carlos.
Adam Poth
Enviado por Adam Poth em 14/11/2012
Reeditado em 19/02/2013
Código do texto: T3985350
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