Bola da vez
Chegara o momento aguardado há meses. Arrumou o decote do vestido, deu uma puxadinha na calcinha para ajeitá-la sob a roupa elegante, elevou um pedido aos céus e entrou, ainda sentindo o amargor do medo na boca. Todos fixaram os olhos naquela moça comum, pálida e trêmula que, aos poucos, encarou o público ansioso. Respirou fundo, e deu início à oratória mais coerente e bela que se podia esperar. Emocionou não só os amigos e familiares, mas a praticamente todos que ali ouviram palavras sábias não condizentes com aquele corpo frágil. Ao final, foi aplaudida durante bons minutos e, só depois de passar para trás da cortina novamente é que deu vazão aos sentimentos. Chorou copiosamente, como fazia quando criança, com medo das broncas do pai. Só que agora era diferente. Sua alegria era imensa, seu dever fora cumprido e os medos superados. Matou seus leões, finalmente. Era uma mulher agora, pronta para o que viesse! Deu a volta discretamente pelo tablado e sentou-se no seu lugar...
(A promotora retomou ao processo, voltando à realidade. Sorria, realizada.)