SÓLIDO DESMANCHANDO NO AR
Décimo andar. Ele pensava se sim ou não. Da janela, um belo pôr de sol. No aparelho de som, o sol dos deuses mortos que ele adorava em fogo morto. Naquele dia não havia bebido, fumado ou cheirado, sendo portanto um dia careta e por isso confuso. Não havia assistido TV nem entrado na Internet. Feriado. Saco cheio da vida e tinha pressa. Não suportava mais o peso da roda viva sobre suas costas como um rolo compressor. Vazio de si, poltrona virada para o sol, nela sentado nu. Um vento entrou e balançou as cortinas, derrubando um porta-retratos e acariciou os pêlos de seu corpo. Excitou-se. Levantou. Dois passos lentos em direção à sacada. Pensou que sim. Fechou os olhos e a alma e isso fez o filme acelerar e confundir. Mas sua resposta interior no seu vazio ainda era sim. Até que alguém bate à sua porta. Ele veste rapidamente a calça jeans surrada e vai atender. Ela, de beleza tranqüila e comum, lhe sorri com um rosto em estado de amor - que é uma eletricidade pacificada - e pergunta "Tudo bem?", com ar sereno. "Entra", ele responde. "Vou fazer um café", agora com a alegria que os santos sentem. Não ventava naquela tarde. Passou a ventar.