A ÚLTIMA LEMBRANÇA
― Não se assuste.
O som era mais que familiar. Minha própria voz. Olhei para o lado. Outro eu, ao alcance das minhas mãos, sorria. Tentei disfarçar o medo. Os olhos fixos na minha própria imagem em carne e osso. O tom amigável esvaneceu enquanto falava:
― Não adianta fugir, Antônio. Mais cedo ou mais tarde o encontro consigo mesmo acontece.
Eu, que sempre fora tão apegado à lógica, devoto dos números e das contas exatas, não poderia admitir, nem por mero exercício da imaginação, qualquer vestígio de realidade naquela cena. E, outra vez, ouvi minha voz, fora de mim:
― Não é um sonho, Antônio.
Precisaria pensar rápido. Talvez se eu conseguisse uma prova para destruir tamanho absurdo... Foi aí então que me ocorreu a ideia. Fingi alguma naturalidade ao fazer a proposta:
― Se você sou eu, deixe uma nota de cem reais. Amanhã, caso o dinheiro ainda estiver comigo, a gente se encontra aqui novamente.
Ele soltou uma gargalhada ― como não reconhecer o som do meu próprio riso, se até agora ecoa dentro de mim? ― e disse:
― Ora, Antônio, você sabe muito bem que nós nunca desperdiçamos dinheiro.
E desapareceu diante dos meus olhos.
― Não se assuste ― a voz da médica soava distante. Você vai conseguir se lembrar. Continue.
― Depois disso, lembro que acordei no hospital. Disseram que eu não tinha documentos, mas, numa das mãos, estava a nota dobrada de cem reais.
(*) ESTE CONTO É RESULTADO DE UM EXERCÍCIO PROPOSTO EM OFICINA LITERÁRIA
(*) IMAGEM: Google
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