O ARTISTA AUTISTA
Veio ao mundo pra ser isso mesmo: um artista. Mas sua arte era tão singela, tão calcada na vida, que a crítica especializada e a não-especializada, mas contaminada pelo óbvio, viciada de ódio não o reconhecia como um digno, fiel, genuíno representante dessa expressão que faz os homens melhores. Teve enguiço não. Continuou criando, recriando e se reinventando, doesse o que lhe doesse. Prosseguiu criando pelo prazer de viver e com o intento de não enlouquecer.
Um belo dia, acordou pra vida, ou melhor, pra uma nova leitura da vida: queria ter sido um artista turista, viajante importante, celebridade sem cinto de castidade. Porém, tinha se tornado um autista. Quer dizer, a sociedade o havia transformado nisso: um ser focado em si, nas suas descobertas. A arte dele para a sociedade de costumes confortáveis e manipuláveis era simplesmente nada, zero à esquerda. Era bom ou ruim ser assim? Sabe-se não, apenas que bom ou ruim era um jeito de continuar trilhando os rumos da existência, muito melhor do que seguir nela sem experiência, apenas na querência, na indecência ou na carência.
"Humanidade ainda que pra mim, esse é o meu sim!" - este passou a ser o lema do autista-flautista na trilha da vida solitária, seu solo tornou-se tão off-broadway que até as traças do teatro, as tintas dos pintores, as letras dos autores, as notas dos tenores o recusaram. Fazer o quê? ... continuou seguindo, rindo, manipulando as contas do rosário, muito antes de se encaminhar para um leprosário ...