CARTA DE DESAMOR
João,
Eu poderia começar esta carta de tantas formas diferentes, mas todos os caminhos levam a Roma. Foi lá que tudo perdeu o sentido. A verdade (sempre a verdade, seja lá o que isto queira dizer) é que só amei um homem. Amar é pouco. O que eu trago no peito e na pele não deve ser amor. Esse homem me tem quando quer. Acredite: nunca reclamo. Logo eu que te sufoco com minhas queixas. E todos os nãos. Como é possível negar tanto a você e não sentir o menor vestígio de culpa?
Tua nobre condescendência me libertou de qualquer moral. Desci ao pior de mim, mergulhada na sombra que se delineou ao teu lado. Encarnei o papel da eterna insatisfeita, apenas pelo capricho de te atormentar com a ideia de que nunca vislumbraria, em meus olhos, o menor traço de admiração, alegria ou prazer. E você aceitava tudo, cada vez mais dependente de minhas constantes humilhações. Transformei nossos dias e noites numa espécie de solidão quase palpável. Tua tristeza discreta (pra que ser tão contido?) nunca me comoveu.
Talvez tudo tivesse sido diferente sem nossa última fotografia em Roma. O que era aquele vazio no teu olhar apagado? Tamanha opacidade, por um brevíssimo momento, despertou minha atenção. Parece que você estava se despedindo da vida. E foi então que entendi. Eu me tornei tão cruel a ponto de querer a tua morte. Por isso, decidi sair de casa antes que esse desejo perverso tome conta de mim. E seja tarde demais para evitar um tiro.
Maria
Maria
(*) ESTE CONTO É RESULTADO DE UM EXERCÍCIO PROPOSTO EM OFICINA LITERÁRIA
(*) IMAGEM: Google
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