O Diário de uma Engrenagem
Movimentos alinhados, perfeitos. Uma máquina em pleno funcionamento. Engrenagens girando, torcendo-se e movendo-se em sincronia; de todas as cores, de todos os tamanhos; algumas novas, outras desgastadas. Elas apenas seguem girando, sem cansaço, sem dor. Uma pausa para reparos básicos: substituição de uma peça quebrada, adição de óleo às outras; e assim, mais horas e horas de trabalho se passam.
Regendo aquela sinfonia laboral, o homem - enfim um resquício de humanidade no recinto - observa com os olhos cerrados o movimento incansável, convencido de que ela nunca se efetuaria sem seus cuidados, sua capacidade administrativa, sua autoridade firme.
Ao fim do dia, a sirene toca. Como saídas de um transe, as engrenagens desfazem sua formação e dirigem-se à saída: sozinhas, porém ainda parte do conjunto. Afinal, uma vez engrenagem, sempre engrenagem.
Retornam às suas caixas e, nesse momento, vislumbram diante de si um universo de possibilidades. Muitas sonham em ser humanos, mal sabem que a metamorfose consiste em três passos básicos: pensar, partilhar seus pensamentos e, por fim, sonhar. Aquelas pobres engrenagens, contudo, não encontram forças para tal. A noite avança e o dia seguinte será cansativo. Ao deitarem-se, pressionam o botão de desligar. E assim a vida segue: sem pausas, sincronizada, mecânica.