Atrás Da Banda
Era sempre a mesma história -
Juraci - dizia o mestre da bateria.
- Vai atrás da turma para ajudar empurrar
as alegorias.
Sambista de coração não se importava de viver
no anonimato.
Depois, o marido gostava de vê-la assim - coberta
da cabeça aos pés sem direito a voz ou voto.
- Precisa-se de modelos.
Juraci leu a placa emuma das ruas da movimentada
Cinelâdia...
Pouco letrada, mais dona de um sorriso de fazer
inveja, saiu do mundo real.
Anotou o endereço, decidida seguiu para o local.
Ao aproximar-se escutou a voz do marido na sala
de espera.
Nem chegou a entrar.
Nos dias seguintes a idéia martelava sua cabeça...
Pensava consigo mesma....
- Algo me diz que terei um bom emprego, afinal
ainda não cheguei aos trinta - quem sabe um
comercial de dentrifrício....
Sonhou com aquilo a semana inteira...
Nem fez conta de saber o que o marido fazia
naquele local, até porque era um religioso fanático
que ganhava a vida com a venda de livros.
Segunda-feira de sol coloca a melhor roupa,
segue para o endereço.
No local soube que estavam recrutando atores e
atrizes para filmes pornôs.
O sangue subiu, as idéias se misturaram....
Hesitou em fazer a ficha.
Cansada de andar atrás da bateria, casamento
desgastado, grana pouca, aceitou.
Recebeu o roteiro, atuaria mascarada com
trajes mínimos...
Assim estaria o ator com quem iria contracenar.
Nada de palavras, ou gestos que pudessem
identificá-los.
Aceitou!
Ao receber o sinal do diretor entrou em cena com
tudo, vestindo de corpo e alma o personagem.
Toques, apenas toques - nada que pudesse
identificá-los.
Decorridos perto de quinze minutos de adrenalina
pura quase perdeu o pique, porém segurou a onda.
Ao tocar as costas do ator percebera uma cicatriz
em forma de vê na altura do ombro esquerdo.
Era Sandoval - seu marido!
Sairam por portas separadas, tudo firmado
em contrato.
Retorna para o subúrbio - caminho de volta
marcado por questionamentos mesclados com
a emoção decorrente da performance do ator...
Seu mundo virou de cabeça para baixo.
Sandoval pensara o mesmo - chegou em casa
disposto a reviver os desejos experimentados
no set de filmagens.
Ao vê-la vestida da cabeça aos pés desistiu
da idéia...
- Sandoval
O que você acha de eu arrumar um emprego?
- Nem pense nisso!
Quem vai cuidar das crianças?
Quem?
Me diga?
- Bobagem
- disse resignada
Pensei alto!
- Quero mesmo levar esta vida que você me
proporciona, ir à igreja aos domingos, cuidar das crianças.
- Pensando bem, basta que você me deixe empurrar
os carros alegóricos no reinado de Momo...
Os desejos, sonhos e fantasias arquivou
compulsoriamente....
A apartir de então empunha-os nas alegorias.
Vive desde então a eterna quarta feira de cinzas...
(Ana Stoppa)