DIA DE XAMÃ

todo gente sabe o quanto a ciência moderna deve para a alquimia, o quanto a química deve para as plantas e quanto o cérebro humano é condicionado. não quero fazer apologia de nenhum aditivo químico para a expansão da consciência mas, participar de um ritual xamânico, sempre foi um desejo meu.

aguardei o acesso restrito ao círculo mágico, queria ir ao xingu já que de um xamã apache estava muito longe. fui convidado, fui. nenhuma taba à vista mas a porteira de uma chácara um recanto de terra cercado de serras que dão em claraval - que já é minas no estado de são Paulo. Éramos quatro, um primo com seu filho (se não faz mal pra uma criança não vai prejudicar ninguém) e sua sobrinha que tinha tantas reservas quanto eu, minto, bem menos. Trazer a alma vestida todos trazemos, nascemos nus mas logo são fraldas, mijões e toucas. No salão cada um de nós esperava uma coisa diferente e a mesma, uma viagem pessoal e intransferível nos meandros do inconsciente. eu, que sou ambicioso quando se diz de espiritualidade e ao mesmo tempo crítico demais, temia não voltar da jornada, pra tudo tem sua hora.

foram horas de word music numa caixa de som altíssimo grudada nos meus ouvidos, à cada faixa da trilha sonora eu estava num país diferente, pensando e falando uma língua diferente na cultura dali. e foi assim, ouvindo enia, que me esquivei da polygram pensando nos druidas celtas cercados de totens no alto de um penhasco isolado.

a noite foi regada com três doses de chá de waskariums mariskóidis popularmente conhecida waska de sabor encorpado, amargo, intenso, de uma textura ou densidade parecida à de um xarope que tem no fundo uma nota de terra, talvez a cor ajude nessa associação além do sabor e talvez a borra no fundo da caneca também... vinha. fui o segundo a beber depois do menino, privilégio já que depois de nós dois se seguiram caretas das mais repugnantes, as pessoas tremiam enojadas, até parecia se tratar de óleo de fígado de bacalhau. curioso.

e a viagem não veio, fiquei cansado de esperar, cansei de analisar, refletir e contra argumentar. não desliguei, não me entreguei, não passei pela “porta”. infelizmente, já que tudo que precisava era justamente encontrar o botão e descansar noutra realidade, numa outra dimensão que explicasse - mostrando numa visão - a relação dos arquétipos que venho reunindo ao longo dessa vida. meu animal totem não se revelou para mim, deve ter ficado preso numa jaula dessas que construí pelo caminho.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 22/04/2012
Reeditado em 06/09/2013
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