Caudalosa

CAUDALOSA

Esperava pelo elevador e silenciosamente pedia que ele chegasse vazio. Os olhos inchados, a congestão nasal e um latejar insistente na cabeça denunciavam: havia chorado e preferia não ter testemunhas da devastação. Há muito o pranto não brotava assim. Aberta a porta, apenas uma pessoa, felizmente das que também preferem o silêncio às conversas descabidas e inúteis de elevador. Desceram e a noite estava clara, apesar do término do horário de verão. Os pés já não doíam mais, mas o táxi que esperava pareceu providencial. Quanto tempo esperara? Desde as 19:20, o combinado. “Dez minutos” pensou. Dez minutos além do devido e compreendeu que o devido é mais que o tempo. Recebera cuidados e, apesar da sensação de fraqueza, a vida continuava .

Atravessou a casa sem acender as luzes, engoliu um relaxante muscular, despiu-se. Sob a água quente o cheiro do sabonete invadiu a semi-escuridão do banheiro. Sentou-se na banqueta e o jorro aninhava-se no colo, escorria-lhe pelo dorso arqueado misturando-se às lágrimas ainda não estancadas. Gosto de sal, cheiro de ervas e as emoções, tudo a um só tempo.

Olhos nos dedos dos pés deixou-se abraçar pela escuridão, pelo aroma, pelo calor. Perdera a noção do tempo, não do que mora no relógio, mas do tempo interno, onde a seqüência não é tão clara, onde minutos parecem anos e toda uma vida pode ser revista num piscar de olhos. E os olhos inundaram-se novamente, o rio da vida correndo solto.

25/02/02.

Raquel DPires
Enviado por Raquel DPires em 10/04/2012
Reeditado em 11/04/2012
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