O homem que prosperou
O homem trabalhou muito a vida inteira. Trabalhou, poupou, arriscou, fez o que tinha que fazer. E prosperou. Prosperou financeiramente e prosperou socialmente. Ganhou dinheiro trabalhando. Não ficou rico, mas ficou bem. E não se esqueceu de fazer o bem. Ajudou quem podia, e quando podia. Tomou partidos e foi coerente, ficou do lado dos amigos mesmo quando não era interessante. E prosperou, e auxiliou e ficou respeitado. E envelheceu. Dos amigos, poucos prosperaram também. A maior parte não o acompanhou. Foi ficando mais velho. E o que sabia era mais que o que os amigos que não prosperavam sabiam. Os amigos que não sabiam tanto quanto ele não podiam lhe aconselhar tão bem. Os amigos mais velhos, e que sabiam mais que ele, começaram a ficar bem velhos, pois o próprio homem já estava ficando velho. Os amigos mais velhos envelheciam e morriam. Ou então migravam para um mundo cheio de mistérios, contemplações e tranqüilidade. E não prestavam mais tanta atenção no que acontecia ao seu redor. E não podiam mais dar conselhos também. O homem que prosperara ia ficando sozinho. Tinha que resolver tudo sozinho. Não tinha mais quem lhe aconselhasse. Os poucos amigos que lhe sobraram, com a condição disso, só contavam histórias com lições implícitas para lhe alertar. Mas dificilmente davam conselhos diretos, mesmo quando era necessário. E o homem também não queria escutar. Os amigos com condição de lhe aconselhar entendiam. Tinha trabalhado muito a vida inteira, e poupado, e se arriscado, e construído tudo que tinha. O homem tinha se feito, por si, e conselhos eram difíceis de serem dados. O homem não escutava muito os conselhos, e nem lhe eram dados muitos conselhos também. No máximo histórias contadas na roda dos homens mais velhos, e que prosperaram também, histórias com lições. Mas eram lições implícitas. Só as escutavam quem queriam. E o homem trabalhara demais, estava cansado. Não queria escutar histórias. Queria ficar tranqüilo. E havia pessoas que só falavam coisas que o deixavam tranqüilo. E o homem foi se rodeando de quem só falava o que lhe deixava tranqüilo. E suas histórias tranquilizadoras iam cada vez mais impedindo as histórias com lições de chegarem aos ouvidos do homem. E o homem foi se cercando de contadores de histórias tranqüilas. E as histórias eram diferentes da realidade. A realidade continuava dura. Não era tranqüila. A realidade estava sendo afastada por pessoas que contavam histórias tranqüilas, e bajulavam o homem. O homem havia prosperado e pessoas se interessavam pela prosperidade dele. E o bajulavam. E só contavam histórias tranquilizadoras. Mas não conseguia descansar. Afinal, a realidade estava ali, e não era tranqüilizadora como os bajuladores contavam. E o homem não descansava, e queria cada vez mais as histórias tranqüilizadoras, e ficava cada vez mais cercado por bajuladores. Os amigos viam que estava cansado, e diminuíam as histórias com lições. Deixem o homem descansar. Os mais velhos, que aconselhavam antes, ou estavam mortos, ou então estavam já descansando. Não davam mais conselhos, nem sabiam das necessidades de aconselhar. Tinham trabalhado demais, prosperado, e agora estavam descansando. E procuravam só histórias do passado. Histórias tranqüilizadoras.