Com Que Roupa Eu Vou
E pensar que algumas décadas atrás a maioria das
pessoas possuíam duas mudas de roupas – três no máximo.
No inverno um Deus nos acuda – a secadora
improvisada atrás da geladeira mal dava conta.
Roupas úmidas ou queimadas pelo pesado ferro
de passar – Assim se vestiam os menos abastados.
- Menina!
- Isso é roupa ?
- Indagava a autoritária Chefe do Departamento
Pessoal para a jovem que a muito custo conseguira
sair da linha de produção aos dezoito anos para
a carreira administrativa.
A indagação ocorria invariavelmente quando havia
público.
Calada a jovem sentindo-se profundamente
humilhada nada dizia.
Aprendera desde cedo diante da luta do cotidiano
que a afronta fecharia portas e que situações hilárias
como aquelas a não mereciam respostas.
Do ato do efêmero e ilusório poder, a ilustre
superiora emendava:
- Menina, nem minha empregada se veste assim!
- Você não sabe se vestir?
Como dizer para a opressora que aquelas roupas
eram as únicas – exatas três trocas.
A humilhação era quase que diária, mascarada de brincadeira, ou como se dizia na época no vernáculo popular - o sarro.
Decorridos os três meses de experiência foi efetivada,
com a garantia do salário comprou algumas roupas, as mais baratas – de seu salário saia parte da despesa da família e o custo dos estudos.
Tanto ouvira osinsultos que estes a partir de certo
tempo nada mais lhes diziam.
Fez carreira – aos vinte e cinco anos, quando se desligou para algo melhor ocupava o cargo de Encarregada de Crédito e Cobrança.
Vestia-se de forma impecável.
Quanto a opressora, soube anos mais tarde que ficara
viúva duas vezes quase que simultaneamente - perdera
o marido, cerca de três meses após....o amante.
A grosseria a que fora exposta ensinou-lhe de forma
clara como não deve tratar as pessoas.
Assim pauta a conduta - mesmo quando as
lembranças das humilhações teimam e se fazer
presentes.
(Ana Stoppa, inspiração poética)