Vida Nova
Todos os dias era a mesma coisa... A noite chegava, ela preparava o jantar e esperava. A novela das seis terminava, começava a das sete, depois vinha o jornal nacional. Na novela das oito já começava a ficar ansiosa e o medo começava a tirar sua atenção da tela, onde as cenas que via já não despertavam emoção nenhuma nela. E assim, entre um programa e outro, a noite ia se entregando à madrugada, e ela sozinha, com o jantar já tão frio quanto à mesa de mármore, cansados de esperar, perdiam o sabor e o significado da existência. Mais uma vez a porta se abriu com o dia amanhecendo e ele chegou trocando os passos, exalando bebida por todos os poros e se estatelando no sofá da sala com a roupa ensopada pela chuva que caía fina lá fora. Ela apenas ouviu lá do quarto e continuou o sono fingido, até o dia amanhecer. Tinha jurado não suplicar mais que ele parasse, que se desviasse dos bares quando no caminho de volta do trabalho. E estava cansada de ouvi-lo jurando que aquela seria a última noite, que tudo seria diferente, que uma vida nova ia começar no dia seguinte, para poucos dias depois, ver tudo se repetir novamente. O dia amanheceu como todos os outros. Mas naquela manhã, ela sentiu-se diferente. Ao invés de se sentir impotente, frustrada e triste, levantou-se determinada a nunca mais passar por aquilo novamente. Dirigiu-se à cozinha, retirou o jantar amanhecido da mesa e despejou no lixo. Depois, preparou o café, fez o suco que ele gostava quando amanhecia de ressaca, ajeitou a mesa e deixou tudo preparado. Entrou no banheiro e deixou a água cair lentamente sobre o rosto, espalhando pelo corpo como se a água pudesse retirar todas as mágoas guardadas ali dentro. Vestiu o seu melhor vestido, maquiou-se calmamente diante do espelho. Apanhou a bolsa, conferiu os documentos e cartões de crédito. Estava tudo lá. Passou pela sala e ele permanecia ali, numa postura quase animal, a fisionomia embrutecida pelo efeito ainda forte do álcool no seu semblante. Abriu a porta, trancou-a pelo lado de fora e deixou a chave na caixa de correspondência. Na rua, respirou um gosto de liberdade que há muito não sentia. Caminhou lentamente até a rodoviária. No caminho, passou por uma banca de revistas e comprou um guia de viagem. Abriu-o numa página qualquer e decidiu que ali seria o seu destino. Não olhou para trás. Comprou a passagem e entrou calmamente no ônibus que já ia saindo. Não levava bagagem porque não queria nenhuma lembrança na vida nova que daquela vez, ela sabia que iria realmente começar.