Banco da praça
Tantas foram as outras vezes, em tempos anteriores, em que esteve ali sentada. Era como se fosse seu o banco da praça onde floria a vida calma, lenta e em tons pastéis. Da brisa fresca, perfumista de suaves cheiros. Dos pássaros acrobatas e líricos assoviadores.
Foram os tempos de desenhar caminhos no pensamento, indomáveis, contrastantes com a calmaria do lugar. Vasta a “cinemateca” de cada sonho arquivado, em luzes do brilho no olhar, foco em cada cena antevista e ação nos suspiros já tão sentidos.
Fez do botão carmim da rosa, a saia da bailarina no palco no municipal, dos buchinhos em topiaria a exploração das muralhas da China, dos vôos rasantes das andorinhas a turma de formandos do ITA, das águas da fonte luminosa a praça do Louvre e em cada
casal de passarinhos os amores eternamente jurados...
Foram tempos em que a meninice tinha poderes de grandes Deuses. A tudo modificava ou faria se modificar, tempos de crenças profundas sobre tênues conhecimentos, de coragem imensurável em batalhas imaginadas. Tempos de “fotografar” a vida pelo ângulo da mais ingênua sonhadora que jurava ser a sensata estrategista.....
Mas acabou estudando sociologia, discutindo política, pintando a cara e gritando protestos.
Bem ao contrário de cada um dos sonhos “arquivados” se casou com o irmão de um colega de turma, estudante de engenharia, racional, tradicionalista e quase materialista.
Adiou cada um dos sonhos, enquanto cresciam os filhos e a casa precisava de cuidados.
Alí, agora, sentada novamente em seu banco de sonhar a vida, percebe a singeleza cruel da pequena realidade que dorme naquela velha praça, suja e descuidada
m.raposo*