A CURVA DO RIO

 
Martins-pescadores surgem na curva do rio em vôos rasantes, sobre as águas, à cata de algum peixe desavisado. A estrada de ouro do sol que liga uma margem a outra da corrente líquida, já esmaece.
É quando ela surge, despojando-se das vestes. Sentado na areia, por entre ramos de catingueira, vejo-a tocar as águas com os pés. Molhar as mãos e levá-las ao rosto. Prendo a respiração. Ela deixa-se engolir pelas gotas mornas massificadas que correm mansamente para o mar.
Perco-a de vista. Segundos eternos me afligem. Eis que ela emerge sob uma cabeleira negra, longa e desfiada, caindo sobre seus ombros. Parece levitar a procura da margem, ressurgindo ao meu encontro.
O rosto, o olhar no horizonte, os lábios vermelhos, o mento imponente, os seios tesos, o ventre, seu vértice arrematado por um minúsculo véu tecido em fios negros a negar aos meus olhos a bainha onde todo o bravo sonha, um dia, guardar a sua adaga.
Uma deusa em mármore branco, talhada por cinzel divino, nascendo das águas. Os pássaros aninham-se nas árvores, Hora do Angelus.
Apodera-se de mim a impressão de existir Deus.    

Sagüi
Enviado por Sagüi em 04/10/2011
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