Meus amigos
Eles se foram. Certamente agora estão em alguma praia distante da Paraíba, enquanto estou aqui gelando os pés nesse apartamento de madeira da periferia de Montreal, no Canadá. Finalmente se foram. Pelo menos deixaram o apartamento. Do jeito que está difícil para imigrantes achar um proprietário que aceite alugar um apartamento por esses países nórdicos, aceitei de bom grado. Estava em um bem menor de uma única peça. Isso foi antes da chegada da Kamila. Agora ela está esperando nossa cria, nosso primeiro rebento e os meses de inverno estão ficando cada dia mais longos.
No breu, a partir das 4 da tarde, procurava minha lente grande angular para sair um pouco e achar algum pôr-do-sol ou fotografar a neve, mas encontrei nesse dia por acaso umas folhas de papel amassadas, debaixo da cômoda, que me lembraram de novo eles.
O casal. A presença deles é casual, cotidiana, às vezes deparo com uma gota de tinta seca num canto, daquele esmalte sintético mal-cheiroso que ele gostava de usar, que me lembra exatamente a noite daquela discussão sobre as diferenças entre a fotografia e a pintura. E essas folhas não tinham gotas sobre elas. Ao contrário, pareciam muito mais brancas que outras, apenas estavam amassadas. E era um poema longo e não os habituais pedaços de papel rasgado com poucos versos que ele carregava nos bolsos do casaco.
Não acredito que tenha deixado ali de propósito, deve ter esquecido na pressa da partida. Poderia muito bem ter deixado dentro de um dos meus livros sobre fotografia de capa dura. Aliás onde foi parar aquele do Cartier-Bresson? Devo ter deixado no brechó.
Me lembro de meus avôs nordestinos lendo os versos do amigo pintor. Começo a entendê-lo melhor, até nos seus motivos para ir embora.