O menino do semáforo
Ela perdera a conta do número de vezes que tinha passado por ali. Quanto tempo fazia, dois anos? Talvez três. E sempre que tinha que parar naquele semáforo, a mesma cena cortava-lhe o coração.
O moleque, muito magro e que parecia sofrer de um resfriado permanente, vinha até a janela do carro.
Ela já trazia no console as moedas da esmola, e gostava de ver o brilho nos olhos do menino quando as recebia:
- Brigado, tia. Fica com Deus.
Ela sentia então que levava no seu próprio olhar um pouco do brilho dos olhos do menino.
Era bem pequeno quando começou a pedir. Agora tinha até crescido um pouco, mas continuava magríssimo. E resfriado.
Pensava nele – o menino do semáforo - sempre que separava as moedas para prover o console e, às vezes, até pedia por ele em suas orações.
Naquela sexta-feira teve happy hour com colegas do escritório e aconteceu de passar bem mais tarde por ali. Parou quando o semáforo fechou e logo viu o menino. Olhou para o console, mas ali não havia dinheiro algum. Ela o usara para a gorjeta ao flanelinha que tomara conta do seu carro.
Ao seu lado, na janela, o garoto espera.
Ela se curva e apanha a bolsa vermelha que costuma trazer escondida em baixo do banco do motorista.
Os olhos do garoto brilham:
- Brigado, tia. Fica com Deus – diz como sempre, e desaparece nas sombras da noite levando a bolsa.
Atrás do seu, outros carros começam a buzinar impacientes, mas ela não sai dali. Sente um aperto no coração quando se dá conta de que o garoto cortou sua garganta.