Fazendeiro do Ar
Escuro ainda, o galo desafina seus primeiros acordes. Zefa se aconchega em meu peito, fingindo uma dolência que eu sei que ela não tem. Beijo-lhe a testa cheirosa de alecrim e me levanto, afastando de uma vez a colcha de retalhos que ela costurou caprichosa para nosso enxoval. O frio da madrugada provoca um arrepio. Voltaria a cobrir-me, não fosse a urgência do trabalho nos campos. Zefa senta-se ao meu lado. A camisola de algodão embolada pelo seu arrastar-se na cama exibe as pernas roliças, atiçando meus instintos. Sem dar-me chance de expressar qualquer desejo, ela se levanta célere e vai abraçar o dia.
Também eu preciso desse abraço e sigo até o curral para alimentar os bichos, ordenhar a vaca, deixá-la sair para o pasto.
Quando retorno, a casa recende a café fresco, bolo de milho e pão de queijo. As crianças já estão em volta da mesa com seus olhinhos de vontade de crescer. Uma pequena oração antecede o saboroso, embora simples desjejum. Os meninos seguem para a escola da vila, eu, para os campos: enxada nas costas, matula na mão.
O sol e o calor não tiram o prazer do trabalho árduo, suavizado pela promessa dos seus frutos. Logo é tempo de colheita, pegar a mulher e os meninos, montar a barraca na feira e com o dinheirinho conseguido, comprar um vestido novo para ela, cadernos para eles. O poente vem convidar-me ao lar e tomo com alegria o caminho de volta.
Escuro já e uma névoa me envolve, diluindo a imagem da trilha no milharal, até que ela desaparece por completo. Os olhos aos poucos acostumam-se com uma nova realidade: um beco, caixotes amontoados em volta de um container de lixo. Eu, um trapo quase tão inútil quanto as sacolas de plástico preto que se espalham à minha volta. Pego a garrafa de pinga caída ao meu lado. Levanto-a contra a luz do poste e suspiro, aliviado, ao confirmar que ainda há, nela, sementes para meu cultivo. Um longo trago e assim eu sigo: fazendeiro do ar.
Também eu preciso desse abraço e sigo até o curral para alimentar os bichos, ordenhar a vaca, deixá-la sair para o pasto.
Quando retorno, a casa recende a café fresco, bolo de milho e pão de queijo. As crianças já estão em volta da mesa com seus olhinhos de vontade de crescer. Uma pequena oração antecede o saboroso, embora simples desjejum. Os meninos seguem para a escola da vila, eu, para os campos: enxada nas costas, matula na mão.
O sol e o calor não tiram o prazer do trabalho árduo, suavizado pela promessa dos seus frutos. Logo é tempo de colheita, pegar a mulher e os meninos, montar a barraca na feira e com o dinheirinho conseguido, comprar um vestido novo para ela, cadernos para eles. O poente vem convidar-me ao lar e tomo com alegria o caminho de volta.
Escuro já e uma névoa me envolve, diluindo a imagem da trilha no milharal, até que ela desaparece por completo. Os olhos aos poucos acostumam-se com uma nova realidade: um beco, caixotes amontoados em volta de um container de lixo. Eu, um trapo quase tão inútil quanto as sacolas de plástico preto que se espalham à minha volta. Pego a garrafa de pinga caída ao meu lado. Levanto-a contra a luz do poste e suspiro, aliviado, ao confirmar que ainda há, nela, sementes para meu cultivo. Um longo trago e assim eu sigo: fazendeiro do ar.
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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Fazendeiro do Ar
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