Naquele dia. Naquele mar.
Ele é o que mais me amedronta!
Me acalma
Me seduz
Me confunde
Me toma...
- “É o mar, é o mar... Fé-fé... Xorodô”
Enxergo-o além do horizonte. Ouço o barulho de tuas ondas; faço poesia, componho a melodia, e canto. Canto o que ele me deu pra cantar! Sinto-o além da epiderme. Tudo por ele! Ninguém mais poderia me permitir isso. Ninguém mais poderia me proporcionar, impulsionar, encantar, abrilhantar meus olhos, meus sentidos...
- “É o mar, é o mar... Fé-fé... Xorodô”
Todas as vezes que me pego pensando no mar, me vejo dentro dele! É Ela... E Ela me deseja, eu sei.
- "Quanto nome tem a Rainha do Mar? Quanto nome tem a Rainha do Mar? Dandalunda, Janaína Marabô, Princesa de Aiocá Inaê, Sereia, Mucunã Maria, Dona Iemanjá"
Na Sua semana, fui à praia... Fiquei apreciando Sua beleza. Era noite, meus amigos se divertiam. Eu já tinha bebido um pouco, e decidi me aproximar mais... Atravessei a rua. A lua estava linda...
- "Onde ela vive? Onde ela mora?"
Olhando fixamente para o mar, parei em um ponto... Congelei. Eu a vi! Nos meus olhos, Ela estava se banhava.
- "Nas águas Na loca de pedra Num palácio encantado No fundo do mar"
Me sentei na areia, para apreciá-la. Olhava a noite, sentia as ondas, balançava junto...
- "Num palácio encantado No fundo do mar"
Depois de um tempo de encantamento, de desejo, de amor... Me levantei... Me espreguicei...
- "O que ela gosta? O que ela adora?"
Meus amigos começaram a me gritar... Estavam loucos, desesperados, e eu tonta... Quando dei por mim estava com água até os joelhos... Estacionei. Foi como se minha alma, por uns instantes, tivesse partido de meu corpo e ido em direção a Ela...
- "Perfume Flor, espelho e pente Toda sorte de presente Pra ela se enfeitar"
Ela estava linda... Eu não a via, mas podia sentir o movimento suave... O belo rosto... A maravilha, que nunca senti antes.
- "Como se saúda a Rainha do Mar? Como se saúda a Rainha do Mar? Alodê, Odofiaba Minha-mãe, Mãe-d'água Odoyá!"
Aprendi a amá-la, a querer também! E, naquele momento, extrapolei todos os limites. Estendi os braços para buscar suas mãos... Senti o calor... O aperto... Suspirei. Meus cabelos longos foram se envolvendo em mim. Percebi uma mão em minhas costas, e um hálito quente sobre meus ombros...
- "Alodê, Odofiaba Minha-mãe, Mãe-d'água Odoyá!"
Estava em casa... Vibrava amor. Vibrava sal... ânsia... Era minha! Estava comigo!
- "Qual é seu dia Nossa Senhora? É dia dois de fevereiro Quando na beira da praia Eu vou me abençoar"
Não me deixou, nem por um instante. Senti o calor... A pele. O abraço. Descansei a cabeça em algo... NEla. Solucei... Caiam lágrimas absurdas dos meus olhos... Mais uma vez, me senti em casa... Naquele abraço, eu estava em casa. Estava em mim. Estava mergulhada em emoção...
- "O que Ela canta? Por que Ela chora? Só canta cantiga bonita Chora quando fica aflita Se você chorar"
Ouvi de longe, de leve, o vento soprar... Meu corpo balançava junto às ondas. Um sorriso brotou... As ondas balançavam mais... Sorri. Arrumou meus cabelos... Os senti molhados. Quis tocá-los, mas não consegui... Preferi manter meus braços envoltos nEla... Mesmo sem vê-la.
- "Quem é que já viu a Rainha do Mar? Quem é que já viu a Rainha do Mar? Pescador e marinheiro Que escuta a sereia cantar"
Ergui a cabeça... Senti algo em meu rosto... Tinha calor. Ela se afastou... Caminhei ao seu encontro. Ela me sorriu... Estendi novamente os braços para Ela, mas só senti um toque suave... Parei... Não queria perdê-la... Sorri, olhando para o céu... E respirei fundo, tomando fôlego...
- “É o mar, é o mar... Fé-fé... Xorodô”
Foi quando alguém me puxou... Trouxeram minha alma a pulso... Estava assustada. Olhei para os lados. Não entendia bem a situação. Quando me encontrei, vi que a água já passava do meu tronco, e me desesperei. Era noite... E Ela não estava mais lá.
Ela não estava mais...
Esteve...
Estava...
Em mim!
Ela estava em mim.
- “É o mar, é o mar... Fé-fé... Xorodô”
“Quando eu morrer, voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar”.
24/04/2011 | 06/01/2019