Paris, Uma crónica de tempos futuros…- conto -
Estou numa biblioteca de livros apodrecidos, a maior parte deles ilegível e perdidos para sempre…
A única forma de ler algo seria no sistema informático, onde se preservaram infinitos documentos que de outra forma seria impossível concentrar num só espaço, mas também esse sistema está morto, também ele abandonado para sempre…
Tanto conhecimento, tantos milhões de horas, de vivências desperdiçadas…
Na minha tentativa do impossível, procuro Um livro, nem que seja apenas Um que seja salvo…
Demorei meses em tal tarefa, tal fez-me esgotar os poucos recursos de uma cidade que já foi de milhões, muitos milhões de pessoas, mas que agora é de apenas Uma…, até que por fim, e infinitos livros, ou melhor, a centelha do que foram, depois acho um, que da sua enormidade, resta apenas uma página, onde começo a ler…
“Todas as canções de amor
Todos os poemas
Deveriam serem escritos por amantes latinos
Em Paris
A cidade universal do Amor
E de lá deveriam partir para o Mundo
E de seguida terem o Cosmos como seu final destino…”
Olho instintivamente pela janela, por um resto de janela, e da qual resta apenas o espaço onde em tempos estavam vidros que deveriam proteger os livros dos elementos, e observo os restos da Grande Torre, apenas uma sombra do que fora, mas ainda assim suficientemente imponente para me espantar, todas as vezes que olho para ela, e já foram imensas, já lhes perdi a conta…
E reflicto, mais uma vez reflicto, mas desta vez é diferente porque escrevo tal, escrevo aquele que poderá ser o início do último livro da humanidade…
Essa torre deveria ser Eterna, a sua luz deveria ter iluminado muito para além do horizonte físico e temporal, a humanidade…e no entanto lá está ela ali morta, sem luz a um tempo tão grande que a sua conta já se perdeu nesse mesmo tempo…as lendas contam que um sonhador chegou a dizer que deveria ser criado um Decreto Divino para ela não se apagar jamais…mas esse decreto nunca chegou, e ela de facto se apagou…”A luz que iluminava a civilização” como rezam outras lendas…
Sim, Porque houve um tempo em que isso foi real, houve um tempo perdido no tempo em que ela era o centro de Tudo, tempo morto, ausente neste presente, nesta espécie de realidade afinal demasiado real…
Apesar de hoje tentar salvar o que pode ser salvo da cultura de um local que foi o centro da cultura ancestral, nunca cheguei a pensar como aqui cheguei…
Lembro-me que vagueava em busca de mantimentos, assim como vagueei durante anos num espaço geográfico que na antiguidade tinha sido chamado Europa, motivado pela fome, pelo instinto se sobrevivência, mas quando reparei numa placa quase completamente apagada com o nome de “Paris” recordei as histórias de infância contadas pelos meus pais, ecos de um passado prodigioso onde tinham existido imensas coisas belas, nas quais se destacava Paris…
Com o passar dos anos e a progressiva escassez dos poucos recursos ainda existentes, fui-me esquecendo dessas histórias mágicas, porque acima de tudo tinha que encontrar comida e abrigo, mas quando vi a placa, algo em mim renasceu, e eu só pensei em chegar a Paris, e salvar o que podia ser salvo do conhecimento humano.
Quando no seu interior destroçado, pálida lembrança do que fora, mas ainda assim fascinante, descobri a razão, o sentido de estar ali, porque no ventre dilacerado da metrópole, no centro do invólucro urbano e humano vazio, soube e senti, que todos os seres que por lá passaram e amaram a cidade do amor, estavam, enquanto eu lá estivesse, estariam de certa forma comigo…desprezei os descendentes dos habitantes da cidade, meus contemporâneos, por a terem abandonado, por terem um dia para as estrelas, para não mais voltar…
Esse espécie humana, estranha que é a minha, e que tem o hábito estúpido de que aquilo que ama mais, querer, numa dada altura abandonar…
Aprendi então a suprema e derradeira lição de que o brilho dos humanos só possuía um paralelo nas sua irracionalidade e absurdamente mudos…
Erros antigos, que se esqueceram, menos para quem os vive ou viverá…
E eu vivo esses erros na minha contemporaneidade, no fruto desse corolário de erros que culminaram nisto tudo, neste vazio insuportável, nesta forma de fim…eu Vivo em
Paris, Uma crónica de tempos futuros…
E assim escrevi a primeira página de um livro que teria apenas uma página, o último livro de todos que não tinha espaço para mais nada, apenas uma mera página…