O JARDIM

Diferente da esposa, Edmundo não era o que se poderia chamar de uma pessoa religiosa. Na verdade, a irreverência era sua marca. Presença certa no boteco da esquina, não havia espaço em sua agenda para missa ou dia santo. Sempre que sua mulher, Marlene, estava de saída para a igreja, não perdia a chance de fazer uma troça.

_ Vai lá, mulher! _ Reza por mim e por ti, que assim tu me poupas de aturar a ladainha do padre.

_ Cruz credo! _ dizia dona Marlene.

Então ele arrebentava uma gargalhada, erguendo satisfeito o copo de pinga.

Ocorreu que, na véspera de uma Semana Santa, Marlene pediu que Edmundo podasse o jardim. Como de costume, sabia que ele a atenderia, porém, não sem alguma procrastinação. A situação, para ela, era sempre um exercício de perseverança.

_ Anda, homem! _ Vai deixar mesmo as plantas tomarem conta da casa?

Ele resmungava, e assim passavam o tempo,. Marlene cobrando a bendita poda, enquanto o marido, entre uma desculpa e outra, ia empurrando com a barriga. A mulher fechou a cara, e a princípio, Edmundo não deu importância. Ficaram assim, até que no almoço de uma sexta-feira da Paixão, o clima ficou insuportável.

Discutiram ainda na à mesa, e o marido, um temperamental, decretou que iria resolver o problema.

_ Deixa de besteira, homem! _ atenuou Marlene. – Estamos na Semana Santa e não convém que briguemos. _ Anda!, senta e volta a comer. _ Se tu não podastes essas plantas até agora, deixa para outro dia, hoje é sexta-feira da Paixão.

Edmundo não deu ouvidos, e foi até o viçoso canteiro, empunhando uma tesoura de jardinagem. Vendo o que o marido iria fazer, a mulher, sobressaltada, levantou-se da mesa.

_ Meu Deus! _ Deixa de ser bruto, homem! _ Foi nesse dia que nosso senhor Jesus Cristo foi crucificado, e não se deve matar nada, seja bicho ou planta.

Edmundo, com a ignorância que lhe era característica, investiu impiedoso contra o jardim. A esposa pedia que parasse, mas ele continuava, incansável.

_ Não queria que eu aparasse as plantas? _ Estou aparando! _ Veja! _ Vão ficar aparadas por um bom tempo!

Depois de extravasar sua raiva, o marido, exausto, deixou-se cair em uma cadeira, e ficou em silêncio, contemplando sua obra. Não restara uma única folha de pé. O jardim estava morto, completamente destruído.

Marlene soluçava, olhos marejados. Naquele dia, o casal não trocou mais nenhuma palavra.

No sábado, sentindo a consciência pesar, Edmundo foi até ao falecido jardim. Observou triste alguns restos de caules que já apodreciam. De longe, a esposa o espiava, quase como se pudesse enxergar a sombra de seu remorso.

Durante a noite, Marlene, que nunca havia visto o marido sofrer de insônia, ficou preocupada ao vê-lo virar-se de um lado a outro da cama, em busca de um descanso que insistia em não chegar. Como havia dormido mais tarde do que de costume, Edmundo não acordou cedo no dia seguinte. Marlene levantou-se primeiro, mas não o chamou, para compensar a noite ruim.

Abandonou o quarto, e como sempre, foi preparar o café. Antes, porém, resolveu sair e respirar um pouco do ar matinal.

Edmundo quase caiu da cama quando ouviu o grito da esposa. Saltou do quarto, e sem perder tempo, foi averiguar o que estaria acontecendo. Procurou na casa, mas não a encontrou. Saiu, e o que viu foi inacreditável.

Marlene estava paralisada, e diante dela erguia-se um lindo jardim florido.

Ele se aproximou, incrédulo. Como o próprio Cristo, aquele jardim havia perecido na sexta, descansado no sábado e revivido com singular exuberância naquele domingo de Páscoa. A esposa o fitou com os olhos em lágrimas. Abraçaram-se, ajoelhados, sem conseguir fazer nada além de chorar. Daquele dia em diante, o boteco da esquina perdeu seu cliente mais assíduo, e dona Marlene ganhou a companhia do marido nas missas de domingo.