SEM NOME

Chegaram diversas viaturas, da polícia rodoviária federal, do SAMU e até dos bombeiros. O corpo estava ali, trucidado, às margens da rodovia há mais de três horas. Nem um lençol velho a cobri-lo. De longe, via-se alguns ossos expostos.

Os veículos retardavam a marcha, apenas para ver o andarilho morto, e já causavam longo congestionamento. Num instante as fotos fluíam nas redes sociais em uma avalanche de curtidas. Aquelas imagens tétricas não incomodavam. O que incomodava era aquele corpo morto ali, "agarrando o trânsito" e o compromisso de muita gente.

Era um homem. Disso tinham certeza. Era um homem pardo, apenas mais um como milhões de ignotos homens pardos. Disso também tinham certeza. Não portava documentos. Não tinha nada a não ser uma história desconhecida. Impossível qualquer identificação visual. Não restara mais qualquer sinal que denotasse um rosto humano.

Nas redes os lacradores se revezavam: "Ah, também, por que tinha que estar ali, andando à toa?" "Irresponsável, à beira da rodovia!" "Essa gente, só dá trabalho!"

Ninguém vira o que aconteceu. Apenas acharam o corpo. Não havia nenhum vestígio de frenagem, somente as marcas de pneus de caminhão no corpo mutilado. As autoridades conversavam nervosas nos celulares. Por que tanta demora? Finalmente chegou o rabecão:

- Alguém tira isso daqui!

Adolfo Kaleb
Enviado por Adolfo Kaleb em 30/01/2024
Reeditado em 13/02/2024
Código do texto: T7988165
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