O MUNDO DE MARGÔ

O relógio já marcava dez horas da manhã. Após o banho reconfortante, apressada, Margô faz os últimos retoques. Mira-se por alguns segundos no espelho que fica na sala do apartamento que divide com a amiga Kayla num elegante bairro do centro-sul de Belo Horizonte. Envaidecida se perde nos seus devaneios: "Como não se encantar com este rosto de anjo, como não se enlouquecer com este corpo de diva? Que cabelo! Meu Deus, eu poderia estampar qualquer revista, poderia até participar de novela!". Não era à toa que homens, e até mulheres ricas, arrastavam-se aos seus pés e pagavam caro, muito caro pelos seus serviços.

Na realidade era mesmo impossível não se deixar seduzir por uma deusa como aquela! Seus olhos verdes esmeralda contrastavam divinamente com sua tez morena, macia e aveludada como um tenro pêssego. Se existia perfeição, a perfeição estava ali. Fazia de tudo, topava tudo sem escrúpulos, sem arrependimentos.

O celular dá sinal de vida. Outra mensagem, outro programa? Não, é a bendita mãezinha lá do interior. Agradece pelo dinheiro sagrado que caiu na conta mas também quer saber como vão as coisas, os estudos, quando é que será a formatura da primeira doutora da família, doutora Marlene. Ao ouvir a voz da mãe Margô tem um fugaz momento de brandura, um certo conforto no coração, mas desconversa polidamente. Sai, vai à luta, pois faturar é preciso.

Naquele mundo de aparência aprendera desde o início que dignidade tem quem tem dinheiro. Desde então, essa era a sua máxima, o lema seguido como um cicerone na sua vida.

Enquanto isso! Bem distante, um coração esperançoso, mas aflito, apertado, doído de preocupação fica a cismar. "Que orgulho da minha menina, nem bem se formou e já tem carro do ano e apartamento na capital. Imagina depois que pegar o diploma!"