JAIME - DIAS QUE SANGRAM

Naquela sexta-feira Jaime acordara bem cedo. Estava disposto como nunca, nem se importava com a escala ruim que lhe deram no final de semana. Barbeou-se e foi brincar, fazer uns cafunés na Julia, sua pequena princesa, que ansiosa se agitava no berço à espera dos carinhos do pai.

Enquanto isso os dois maiores se aprontavam para a escola. A mais velha, de 15 anos, incomunicável, permanecia trancada no quarto. Nada demais, apenas mais do mesmo, arrufos com o namorado. Linda alertou o marido para largar um pouco a pequerrucha, poderia acabar se atrasando. Não iria querer deixar zangado o novo comandante.

Jaime se arrumou gozando cada gesto e cada ato naquele ritual diário e sagrado. Caprichou na farda e calçou com orgulho o seu coturno que brilhava como um diamante negro bem lapidado. Valera todo o traquejo na noite anterior. Tomou rapidamente seu café, despediu-se da família e acelerou para o batalhão.

Ele nutria um amor quase paterno com a profissão que abraçara ainda bem jovem. Quem diria? Ingressou como soldado, mas há um ano era o Primeiro-Sargento Jaime. Um sujeito querido e respeitado pelos companheiros. Policial exemplar, amado pela comunidade onde servia há quase vinte e cinco anos.

Ele tinha consciência que todos os cidadãos o queriam bem. Urbano, simples e rígido sem ser violento e covarde, Seu enorme poder de conciliação era uma das suas grandes qualidades. Amigo de todos. Sem qualquer modéstia, contratriando as zombarias inocentes dos companheiros, dizia ser um exímio atirador, o melhor da corporação.

A guarnição da viatura GP-254 estava na ronda diária. Soldado Lélis e cabo Darci no banco de trás tagarelavam sem parar. O soldado Armando, como sempre, dirigia atento, em silêncio. Jaime ao seu lado suspirava fundo, sentia uma alegria incontida no peito, um sentimento que nunca sentira antes, pensava amorosamente nos filhotes. Um som surdo de uma detonação de arma de fogo bem próximo. Num caudal de adrenaliana alarmaram-se e, incontinenti, dirigiram-se para o local. Um roubo a banco em andamento. Ao descer do veículo outro disparo vindo não se sabe de onde.

Jaime sente algo queimando no peito, faz uma careta de dor, balbucia o nome da caçulinha e cai para não mais se levantar.

O telefone toca, Ermelinda, atarefada como sempre, ainda com a pequena no colo corre para atender...

Adolfo Kaleb
Enviado por Adolfo Kaleb em 29/01/2024
Reeditado em 13/02/2024
Código do texto: T7987731
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