Onde andará O Velho do Realejo?
Conto: Onde andará o Velho do Realejo?
Amélia Luz
Não se sabia de onde vinha não se sabia quando passaria. O homem do realejo chegava velho e maltratado, de chapéu de lebre desbotado, sapatos furados, tantas as suas caminhadas. Vestia restos, calças folgadas, presas por suspensórios de elástico! Tinha nos olhos tristes um estranho brilho de saudade!
Trôpego, paciente, subia a Rua da Pedreira parando de quando e quando, tocando o seu realejo. As crianças corriam alvoroçadas e pediam para que ele contasse os seus “causos”, sempre muito interessantes a despertar a nossa curiosidade num tempo em que não havia a telinha mágica da televisão ou a do computador a nos distrair com novidades. Ele sim, era a nossa fonte de contos de terras distantes por onde passara e enfrentara tentos perigos.
Chamava assim toda a vizinhança que corria apressada para amolar facas, tesouras e canivetes. Consertava panelas, punha alças em canecões e vendia utensílios baratos, soldava bacias e baldes num tempo em que tudo era escasso e aproveitado.
As comadres corriam de avental deixando as panelas no fogo nos antigos fogões de barro branco a quase queimar a comida. Não sei bem até hoje se elas corriam para amolar os seus utensílios ou para prestar ajuda ao pobre velho...
Isto eu sei, eram levados pedaços de broa, bocados diversos e café bem quentinho, servido em esfoladas canecas de ágata, para lhe saciar a fome do corpo!
Eu pensava menina, voando em cismas... E a fome da alma? Quem a matará? Ali, tão longe, passageiro anônimo que era da vida? Onde morará ele? De onde viria assim, já tão velho e cansado? Terá casa e família?
Alojava-se dias e dias no caramanchão e no Coreto da Igreja de Santo Antônio onde dependurava os seus trapos a secar ao sol. À noite enrolava-se em pelejas para se esquentar do frio que maltratava. Um cachorro sempre o acompanhava e tinha o mesmo nome mesmo que fosse outro animal, Veludo. A criançada se reunia para ouvir os seus casos de terras imaginárias e pessoas que hoje penso, nunca existiram. Faziam parte da sua bagagem trazida de tantas estradas.
O seu lento caminhar indicava fadiga, alquebrado que estava pelos anos muitos de lutas. Um dia não mais voltou e até hoje, não se sabe quem era ele, o velho do realejo! Distante, bem distante, deverá estar tocando, tocando o seu realejo, chamando a vizinhança, parando aqui e ali, nas esquinas da Rua dos Anjos, que hoje deve ser a sua eterna morada. Enfim, pergunto saudosa, onde andará o velho do realejo? Rodeado de crianças estará sentado num ponto qualquer tecendo os seus contos de fantasias feitos para aguar o coração dos pequeninos.