LIGUEI PARA A POLÍCIA

Avistei a carroça sobrecarregada com detritos e percebi que o raquítico jumento capengava com o peso absurdo sobre seu lombo. Era visível que ele não estava mais suportando todo aquele esforço titânico, as patas bamboleavam, as orelhas

se exibiam murchas, havia espuma branca na comissura da boca, e divisei em seus olhos um triste quê de conformismo indescritível. Um punhal invisível perfurou minha consciência, quase chorei.

Apesar disso, tomado de uma insensibilidade arrogante, o carroceiro chicoteava o animal com fúria exacerbada e incontida para que continuasse a jornada dolorosa, não admitia que ele parasse a meio caminho do objetivo traçado. Por isso batia, e batia muito enraivecido, frenético, uma chibatada atrás da outra, lanhando o lombo do bicho e arrancando respingos de sangue por causa das seguidas lapadas violentas.

As marcas das chicotadas pintavam de roxo e vermelho o corpo do irracional, e o intolerante pintor era o carrasco impiedoso que o conduzia pelas ruas. Transeuntes balançavam a cabeça em gesto de desaprovacao, alguns ainda esboçaram tímidos protestos, mas não passou disso, ninguém queria meter o bedelho nós problemas dos outros.

Quanto a mim, doeu-me n'alma ser participe involuntário, como espectador, daquele tresloucado ato, da escarnecedora e bárbara cena. Meu coração gritava que não era atitude humana a do carroceiro, eu precisava fazer alguma coisa para aquilo parar, seria covardia de minha parte ficar apenas assistindo perplexo a maldade insana vencendo a inocência .

Porém, para abalo do meu coração, quando corri me insurgindo contra a brutalidade do homem contra o indefeso bichinho, este, infelizmente exausto e ferido, tombou sob o peso, a surra e o sofrimento.

Estava muito além de suas marcas forças. No entanto Cheguei tarde, porque o pobre bichinho já caiu estremecendo nas cascas da morte. Com lágrimas me fluindo dos olhos e descendo pelas faces, saquei meu celular do bolso e liguei para a polícia.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 05/07/2022
Reeditado em 09/07/2022
Código do texto: T7553192
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