O último sorriso
Ele via os móveis pela última vez. A casa onde viveu por 50 anos, em que sofreu, sonhou, sorriu e chorou. Agora era a despedida. O para sempre de verdade. 95 anos, sozinho, esposa e amigos falecidos, filhos e netos distantes.
Valeu a pena? Tanto esforço para pagar a casa, para criar os filhos, para a sobreviver e agora sentia o frio Ósculo da Morte.
Era o para sempre para sempre. Pelo menos, não acabara em um asilo. Mas o que foi a vida? Trabalho, angústias, erros, discussões...
Lembrou-se da mãe e do pai, passeando, procurando a cachoeira, sentindo o cheiro, a música da água. Chegando lá, a água que amolece o calor, ficar na água como quem encontrou outra de voar. Essa era a vida: a infância dele, dos filhos e dos netos.
Mas a vida era também a juventude e os sonhos de abraçar o mundo. Era também a maturidade e a descoberta da mortalidade. E também a velhice e doenças. O trabalho, o café, a música, a dor de cabeça, o revólver, a flor e tudo o que está no meio.
Mas haveria um sentido para isso tudo? Os momentos alegres talvez não sejam, pois existem muitos momentos tristes também.
Hoje, falecendo, ele só sabia que fizera parte de um mistério e que partia para outro. E isso valia o último sorriso.