Rojões
Rojões rasgam os céus, quebrando o silêncio. O exército chegou de mais uma guerra, os portões da cidade se abrem. Uma festa começa. Estou triste. Amo o reino, amo meu Rei, e estaria disposto a me entregar de corpo e alma por eles, só que não me foi dada a oportunidade de servir. Quero morrer como guerreiro, por amor ao meu Rei, não por honras de valente. Mas Ele me mandou limpar as ruas. É egoísmo não se alegrar por uma vitória que você gostaria de ter ajudado a conquistar?
Imerso em meus pensamentos, apoiado em minha inseparável vassoura, não vejo o Rei se aproximar. Estou acostumado a estar sozinho, já que as pessoas desprezam meu trabalho. Às vezes até me sinto o guardião solitário de uma torre, à espera do inimigo, de onde canto batalhas imaginárias enquanto removo o pó de onde vim.
“Olá, Paciência”, diz o Rei. “Oh, Majestade, parabéns por mais uma vitória!”, respondo, levando o rosto ao chão. “Sou eu que preciso te parabenizar, filho. As ruas, como sempre, estão impecavelmente limpas”, ele responde, colocando a mão no meu queixo e erguendo-me gentilmente. “Saiba que seu trabalho é muito importante para mim. Quisera eu que todos tivessem o mesmo zelo que você.”
Balbucio um agradecimento, sem acreditar. E o mais incrível: ele se curva, como se eu fosse algum tipo de herói, e volta para a celebração. Eu ansiava caminhar por uma via diferente e deixar para trás essa rotina maçante de casa, mas minha hora não chegou. Portanto, resigno-me e espero.
(Inspirado em uma canção dos Arrais)