Gosto amargo.
Edgar passava diante do Intimu's Bar e decidiu parar pra beber uma cerveja. Puxou a cadeira e sentou-se à mesa de sua preferência exposta na calçada na frente do estabelecimento. Antes mesmo que o garçom lhe trouxesse a "loira" gelada apareceu Vitório cruzando a rua logo à frente. Bastou um aceno de mão e o amigo se aproximou bem humorado.
- Seu Edgar! O senhor por aqui! Está sozinho?
- Sim. Acabei de me sentar e vi você atravessando a rua. Sente-se! Faça-me companhia pra uma cerveja, aceita?
- Tudo bem, mas não posso demorar. Combinei de encontrar a Rita na entrada do Shopping para assistirmos a um filme.
- Ela está bem? Continua trabalhando aqui perto?
- Sim, no escritório de advocacia do Doutor Benjamin.
- Muito bom. Fico feliz por vocês. Diga-lhe que mando lembranças.
- Valeu! Eu digo sim.
- Nada de filhos, até agora?
- Por enquanto, não. Ela prefere se formar este ano, depois a gente decide o que fazer.
- Isso quer dizer que está sendo planejado?
- Dá mais segurança, eu acho.
- Sim, claro! Eu concordo. Mudando de assunto, você viu a decisão do Supremo: "Condenado em 2ª instância só vai preso depois do trânsito em julgado?"
- Uma vergonha, não é mesmo! Parece que tem gente que se vendeu. É inadmissível isso!
- Ou,... que foi por encomenda. Sabe o Lula!... Essa decisão, Vitório, terá um impacto social grande, veja, com a possibilidade de muitos recursos, somado a morosidade da justiça, um condenado com idade avançada acaba usufruindo do benefício da prescrição da pena.
- Ou morre antes do fim do processo sem jamais pagar pelo crime cometido. Seu Edgar, sem a intimidação da lei a corrupção e todos os demais crimes do Colarinho Branco vão se espalhar pelo país afora. É nisso que eu acredito.
- Quando eu soube que foi esta a decisão no plenário do STF, imediatamente lembrei-me do sujeito que, antes de atentar o homicídio mostrou para sua mulher a Bíblia, e disse: Aqui no livro sagrado tá escrito: “a esposa deve ser submissa ao marido pois este tem total autoridade sobre ela." Depois apertou o gatilho. Pro seu azar ela não morreu.
- A lei tem que acompanhar o que manda a nossa Constituição, que história é essa de Bíblia?
- Sim, na vida do cidadão, manda a Constituição; na vida do fiel, manda a Sagrada Escritura. Acontece que o casamento não é mais um relacionamento sagrado pura e simplesmente, como diz na bíblia. Hoje, na nossa sociedade ele é tratado como um enlace amoroso que se formaliza através de um contrato social, porém não há amor que resista a uma decepção.
- Não alcancei aonde o senhor quer chegar!
- Os juízes do Supremo não julgam processos, quem cumpre esta função são os juízes de primeira e segunda instância. Aos ministros do Supremo cabe julgar a lei aplicada na sentença, se constitucional ou não, mas a condenação do réu em si, esta já foi dada pelo juiz na primeira instância, confirmada por um colegiado na segunda, e não se discute mais este assunto.
- Como então se chega a um resultado feito esse, 6 X 5 para prisão só depois de esgotados os recursos da defesa? Com esta interpretação a sociedade fica completamente prejudicada. Quem sai beneficiado é o criminoso cheio de dinheiro que passará o resto da sua vida pagando advogado para inventar recursos e jamais verá o sol nascer quadrado.
- Bom, agora a chance de mudança está nas mãos dos nossos parlamentares. Só eles para mudarem o entendimento e indicar onde termina essa tal "presunção de inocência". A população tem que pressionar para se impor esse limite, e se a decisão for mesmo na segunda instância, terá sido uma resolução plenamente justa. Com isso, assim que confirmada a sentença, o réu já poderá ser encarcerado. Ora bolas!
- Percebe que até o gosto da cerveja ficou mais amargo?
- Sinto muito ter puxado este assunto.