O universo

Às vezes me pego fazendo planos que não têm cabimento. Em que viagem me encontro! Na órbita da Terra, é incalculável quanto astros com ela se encontram, para as crianças há um fascínio imenso nestas figuras, mas para um astronauta perdido, é só mera solidão em uma planície qual ele jamais pertencerá. Como olhar mundos tão grandes e saber que só a um deles se pertence, pertencendo então a este, por que quis ir tão longe e sair de si mesmo? É como me vejo. Pertenço só a mim mesmo, então por que acredito tão fielmente nas palavras de outro que me incluem em seu mundo? O cotidiano é tão feroz que não nos permite aceitar nossa própria solidão. Viver sozinho é terrível, mas estar sozinho depois de entrar no mundo de alguém é pior ainda.

Acordar cedo é terrível, principalmente no inverno de Julho! O despertador toca, o cansaço aumenta, mas uma vozinha interna berra mais do que o próprio som do celular vibrando e tocando "- Corre, você precisa cumprir com seus compromissos!". E é castigador ter o peso das filosofias nas costas. Você reflete no ônibus cheio, no metrô, a caminho do trabalho, durante o trabalho e ao sair da gaiola, é como cantar à liberdade. Camisa jeans fechada, calça preta e botas. Cachecol cinza é lindo quando o tempo também está cinza. Deixa o sol para lá, ele só clareia por trás das nuvens, mas o clima não esquenta, o que esquenta é andar e pensar. O dia começa, mesmo sem a luz do sol clarear exatamente.

E aí o astronauta se arruma, escolhe suas melhores roupas e muda a cor do cachecol para ir a um lugar qualquer, em nenhuma ocasião em particular. Talvez ir andar por aí, ou parar em um café pelo centro da cidade, ficar de frente a um vidro e olhar as nuvens cobrir o céu assim como os arranha-céus tentam fazer o mesmo. Os arquitetos que nunca leram uma poesia ao lado dos engenheiros que nunca decifraram os versos como decifram os teoremas. Um caminho para a contradição com o que fazem. - Quem sou eu para criticá-los? Sou só alguém procurando uma resposta nos céus.

Imagine o quão triste as crianças ficam quando seus desenhos não condizem com o céu que elas estão vendo! Igualmente quando os outros elementos no papel fazem o mesmo. Desdobrei um papel do meu bolso e todas as palavras que li, escritas como uma poesia, remontam um desenho que fazia na infância. Um pai, uma mãe, um belo sol e um dia límpido. Com cores e sorrisos. Os desenhos diziam muito pouco, mas os versos são como facadas. Escritores e suas dores! - Por que o mundo é como eu vejo? Será que me traio ou eu mesmo enxergo o que vejo e ainda sim distorço toda a realidade?

Quase 4 da tarde, o restinho de café já tinha até esfriado, o pão de queijo ainda estava no prato e eu estava nos infinitos. - Com a cabeça na lua! O celular me arrancou dos pensamentos com um susto.

- Thiago?

- Diga, eu estou aqui pelo centro.

- Sério? E nem me avisou? - ouvi as risadas na voz. - Vem aqui em casa, a gente assiste um filme.

Olhei para Michael, no topo do mundo. No mais alto de uma montanha. Com uma planície escura atrás. Respiração ofegante e um sorriso de lado no rosto. Nem imagino qual era a minha expressão naquele momento, mas se ele estivesse enxergando o mesmo que eu estava, era engraçado e ao mesmo tempo atraente vê-lo de tal maneira. Para os adultos, o prazer da vida está em tirar a roupa, sentir outro corpo grudando-se ao seu. Suor e sons perdidos, calor mesmo no frio e outro corpo entrando dentro do seu.

Depois de algumas horas em sentei na cama depois de abrir a janela. O frio começou a incomodar um pouco, mas o ar refrescava o ambiente. Estávamos iluminados pela tela da TV rolando um filme aleatório de ação. Ele era viciado nesses temas. Olhei para o seu rosto e a tela refletia nos seus olhos. Sua boca entreaberta me levavam a pensamentos que se permanecessem por mais um tempo na minha cabeça, me deixariam ereto de novo. Recuei e acendi um cigarro. Levantei e fui até a janela usando só uma camiseta e cueca.

- Vai morrer de frio aí. - ele disse.

- Não vou nada, depois você me esquenta.

Nos olhamos com um velho sorriso.

- Obrigado pelo convite. - disse.

- Qual convite?

- Você me chamou para vir pra cá.

- Isso nem é convite, eu amo que venha para cá.

- E eu posso saber o porquê?

- Porque você me satisfaz enquanto eu não me liberto para descobrir o que eu de fato gosto.

- O quê?

- Porque você é meu namorado. Pode entrar e sair a hora que quiser da minha casa. - disse com uma das sobrancelhas erguidas me olhando com ar de surpresa.

- Entendi outra coisa...

- O que entendeu?

- Esquece...

- Entendeu que eu não sei ao certo o que eu quero, por isso estou contigo e jamais teremos algo mais a não ser esses poucos minutos que hoje temos.

- O que você está dizendo?

- Nada... eu não disse nada agora. Você está louco, Thiago?

- Eu não sei ao certo.

Dei alguns passos para trás, enconstei as costas na parede e me questionei se minha capacidade de enxergar a realidade estava em conformidade com a mesma. Era como se eu ouvisse coisas que realmente não estavam acontecendo, mas de alguma forma eu tinha certeza que estava. Marte era menor que a terra e cabia uma civilização enorme no seu território, mas o que os homens fariam com todo aquele espaço? O mesmo que fizeram com a Terra?

- Preciso falar algo muito sério com você. - Michel disse enquanto se levantava da cama e vinha até a mim.

Nos beijamos intensamente.

- Eu te amo. - ele disse.

- Eu também te amo.

- Eu acredito que te amo porque minhas limitações hoje, não me permitem encontrar nada além de você, que acalente meus desejos mais vastos.

- Desculpa por às vezes parecer que estou em outro universo. - eu disse. - Quando eu era criança, imaginava o quão grande são os astros e eu era tão pequeno... Hoje acho que o universo é tão grande que me parece até surreal, eu preencher o mundo de alguém.

- Acho que não entendi muito bem.

- Desde que te conheci eu imagino minha vida com você... iguais aos desenhos de criança que têm uma família, uma casa, um sol e todos estão sorrindo... Vamos ficar juntos a vida inteira?

Seus olhos brilharam, suas pupilas dilataram. Nos abraçamos.

Alberto Novais
Enviado por Alberto Novais em 14/09/2019
Reeditado em 02/04/2021
Código do texto: T6744894
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