A cura

Já bastante debilitado pelo avançar da idade, o homem aguardava de pé há quase duas horas no salão de entrada quando finalmente avistou o Rei, acompanhado de seu mordomo, surgir do fundo do longo corredor que conectava aos aposentos internos do palácio. Suas pupilas, antes dilatadas e atentas aos mínimos detalhes dos grandiosos ornamentos que recobriam toda a superfície interna do salão, retraíram-se ofuscadas pela luz refletida na imponente coroa de ouro que o Rei trazia à cabeça.

- Quem és, tu? E o que trazes para mim? - perguntou o Rei.

- Um parente distante, talvez, Majestade. Trago comigo a cura.

O Rei, que era cego de nascença e assumira o trono somente por ser o único herdeiro vivo, ouviu atentamente as orientações do velho homem que, antes de se despedir, deixou em suas mãos um pequeno frasco de porcelana.

No alvorecer do terceiro dia, quando a luz do sol fez-se presente colorindo suas pálpebras ainda cerradas e lisas, o jovem monarca acordou. Passeou pelo palácio em sua solitária companhia pela primeira vez, mas o que os olhos lhe ofereciam o atordoava e entontecia. Decidiu por caminhar do lado de fora do palácio.

Vestida com seus usuais trapos sujos, a plebe observava boquiaberta a presença do Rei, que lhes devolvia um olhar não menos espantado.

- Não quero ver isso! - exclamou o Rei, cobrindo os olhos com ambas as mãos.

Atrás dele, o mesmo velho homem que o encontrara há três dias no palácio o observava entusiasmado, sorrindo sua arcada incompleta.

Estava funcionando.