Tóxico

Como pôde sentir-se por tanto tempo vazio ao lado de uma pessoa? - pergunto à minha sombra. Também questiono o copo de conhaque o porquê de tão leviana a sensação de plenitude que dura uns segundos quando fixo minha atenção em uma conversa entre duas pessoas principalmente quando falam de amor. Como alguém ainda consegue discutir sobre esse tema sem sair ferido e desejando que o mundo desmorone. Em seguida volto minha atenção ao copo. - Ai de mim se nem esse copo eu tivesse.

É como hoje mais cedo. O sol que queimava as folhas das árvores que pareciam glorificar à luz. Verdes como em toda primavera. O vento que entrava pelas folhagens fazia barulho, era o que eu tentava ouvir e ver, se não estaria entregue aos meus pensamentos. Lá eu não me sentiria bem porque a realidade é dura e crua, mas o mundo é nossa fuga.

Olhei no relógio contando os minutos. Senti o coração bater mais forte e uma sensação estranha tomar conta de todo o meu corpo. - Era só uma lembrança. E os minutos passavam voando, eu me perguntava, por que os sábados não eram mais como antes?

Lembro quando, daquele mesmo lugar, eu o via chegar. No mesmo parque, em um local onde as pessoas não costumam ir tanto. Ele entrava observando se mais alguém estava lá. Aspecto sempre preocupado como se temesse ser traído pelas próprias árvores. Andava como os tímidos que escondem seus defeitos. Por trás de uma barba por fazer, grandes músculos escondidos em uma camisa e cabelo despenteado.O que eu via de tão fascinante naquela fisionomia? Talvez o que a mim representava. Era alguém que tanto quanto eu, tinha o peso do mundo nas costas.

- Você demorou pra chegar dessa vez. - ele consentiu.

Sentou do meu lado sem olhar-me nos olhos e ficou inerte em silêncio por alguns minutos. Senti de relance que algo ruim estaria por vir, mas me chamavam sempre de - o cara negativo. Então preferi deixar que as coisas acontecessem antes de eu me sabotar.

- Você está bem? - acenou que sim com a cabeça. - Eu fiquei um pouco preocupado porque você não respondeu as minhas mensagens nem hoje e nem ontem.

- Eu estava com a minha família.

- Está certo.

- Você tem um cigarro?

Retirei o maço do bolso e o acendi um. Quando passei para sua mão senti vontade de tocá-la mais do que deveria, mas me contive. Apenas o entreguei o cigarro e respirei fundo.

- Não sabia que fumava.

- Fumo quando estou muito estressado.

- Quer conversar?

- De que adianta?

- Quem sabe eu possa ajudá-lo.

- Você não me ajuda.

Senti suas palavras perfurando o meu peito como se fosse uma flechada, mas era algo que não estava claro na minha mente. Sempre que eu estava com ele a sensação era a mesma, mas esta parecia me envolver cada vez mais com toda a situção. Era como se eu gostasse dos seus espinhos e vivia a utopia de transformar aquilo em algo diferente e que fosse surprir as necessidades da minha alma pelo resto da minha vida.

- Está precisando de alguma coisa?

- Sim. - falou enquanto expirava a fumaça do cigarro. - Eu estou terminando meu curso, mas sinceramente não tenho condições de arcar com tudo sozinho. Eu tô perdido.

- Não, não está perdido.

Tirei do bolso meu celular. Olhei a tela brilhando nos meus olhos. em seguida ao desbloquear deparei na nossa conversa no whatsapp com uma foto que eu tinha o enviado recentemente. Quando estávamos a sós, em João Pessoa. Em uma praia onde ninguém nos conhecia. Podíamos nos abraçar e nos beijar livremente. Preencher meu vazio.

- Olhe essa foto. Foi um dos dias mais felizes da minha vida.

Ele olhou e ficou mudo.

- Você acha que eu deixaria alguém que me faz tão bem perdido? Sem conseguir conquistar seus sonhos?

Uma lágrima escorreu dos seus olhos.

- É certo que nunca terei o que eu quero de você. E é certo que não devo. Tenho 20 anos a mais que você pelo menos e sei suas intenções comigo.

- Alberto, chega.

- Deixa eu pelo menos falar, Thiago. Eu te amo.

- Eu não.

E então eu estava lá hoje mais cedo. Sozinho. Ia às vezes no mesmo parque onde costumávamos nos encontrar, conversar, quando não estávamos em alguma viagem ou no meu apartamento. Mas o amor não era suficiente. Pelo contrário. Quando não havia nenhum sentimento eu conseguia me preencher com uma companhia que parecia querer estar ao meu lado - por algum motivo, sei lá.

Eu ia para lá lembrar reviver em pensamentos por mais que doesse. Sentir novamente o coração bater forte, como não acontecia há muitos anos atrás.

- Alberto, vai mais uma aí?

- Melhor não, meu caro. Se não não vou ter ninguém para me levar para casa. - Sorri, joguei notas no balcão e larguei o copo lá.

Iago Nascimento
Enviado por Iago Nascimento em 01/06/2019
Reeditado em 29/06/2019
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