Minha Lua

- Sirva-me mais uma, Tião!

- Já bebeste demais… E demoras além da conta por aqui, Severo. Não temes que te encontrem?

- Uma mais e vou-me. Ande, homem. Capriche!

Tomou num só trago e saiu cambaleando, a vista embaralhada. Trôpegos passos na areia o guiaram pela escuridão da noite até o ancoradouro. Entontecido pela embriaguez, saltou para o barco com dificuldade. Foi nesse momento que percebeu que havia passado dos limites. O que, a bem da verdade, tornara-se um hábito desde a partida de Celestina.

Lentamente, desfez o nó que atava o barco ao poste de amarração. De tão serena a condição do mar, Minha Lua, como o havia batizado, pouco se moveu. Certificou-se de que havia diesel suficiente no tanque e deu a partida. Corrigiu a direção, pondo-se em linha reta com o cais de Laranjeiras, seu destino.

O mar estava liso, tão calmo que Severo já caía no sono. Acendeu a luz da cabine. Sobre a bancada, um pequeno pedaço de papel acompanhava um relógio em contagem regressiva. Esforçou-se para convergir as letras etilicamente duplicadas até que conseguisse reconhecer as palavras manuscritas naquele bilhete.

“A paixão em que navegas, Celestialmente ornada, não encontrará porto seguro.”

Recostado no balcão, Tião observava o estrondoso clarão que se formara distante, no mar, enquanto discava o velho telefone cinza da época de seu avô.

- Entrega realizada, Doutor. Que Deus abençoe o senhor e sua filha. Boa noite.