Limpem seus CPU's
O céu se avermelhava à medida que a chamas saltavam e se espalhavam. O pânico, que havia sido total, já começava a ser controlado; os bombeiros haviam chegado, mesmo assim algumas pessoas rezavam para suas entidades conterem as chamas. No meio desse caos, estava ele, o protagonista dessa história, à quem não me convém dar um nome agora, se destacando na multidão simplesmente por fazer nada. Ele simplesmente olhava com um ar misto de incredulidade e culpa. E, sentado, com um vaso de planta no colo, assistia a cena.
Tudo começou pela manhã. O nosso protagonista recebera um e-mail na noite passada, e agora devia respondê-lo. Mas essa era uma daquelas manhãs não-criativas. Isto é, o nome que ele dava pra seus dias onde não conseguia manifestar sua criatividade e criar nada de novo. Nessas ocasiões, preferia não se expressar de mais; não sairia nada de interessante.
É sabido que essas crises de não-criatividade são populares entre os autores. Elas não têm tempo certo de duração, podem durar um dia ou uma década.
Falando disso, há um caso interessante no qual, num planeta distante, um autor teve essa crise de não-criatividade. Mas ficou tanto tempo com ela que começou a pensar que era, na verdade, um quadro clínico, e que adquirira uma espécie de vírus desconhecido. O infeliz foi tão convincente que outros começaram a acreditar nele, de tal forma que alguns até contraíram também esse tal vírus. Estudiosos da medicina do planeta foram chamados, e os mesmos constaram que, de fato, o tal vírus existia e era, de certa forma, perigoso. A doença atacava o sistema nervoso central, criando um déficit de concentração e uma leve diminuição no Q.I.
Numa desesperada tentativa de encontrar uma solução, um grupo de estudiosos, contratados pelo governo, descobriram, para a surpresa de todos, que o tal vírus havia sido criado pelo próprio paciente zero. Ele tivera a ideia numa crise de raiva, após o longo período sem criatividade. E, para minimizar seu sofrimento, resolvera que partilharia ele com outras pessoas.
Bom, felizmente o protagonista não possuía tal vírus. Era apenas um breve momento não-criativo.
Voltando para nossa história, o nosso protagonista preferiu então deixar pra responder o correio eletrônico após realizar alguns de seus afazeres. Porém, acontece que, ao deixar pra responder o e-mail depois, deixou seu computador ligado, que, por conta da sujeira acumulada em sua ventilação, começou a superaquecer. O superaquecimento resultou numa reação em cadeia (não consegui pensar numa explicação razoável, e sinto que o vírus da não-criatividade vai, logo logo, se apoderar de mim mais uma vez, então vai ficar assim) que, de alguma forma, terminou num incêndio. O incêndio tomou conta primeiro do quarto, e, se espalhando que nem o vírus da não-criatividade num quarto cheio de inventores, tomou conta dos outros cômodos.
Nosso pobre protagonista apenas conseguiu salvar sua planta. Um cacto que, se tivesse uma personalidade, com certeza, nutriria um sentimento de rancor por ele, já que era deixado sem água ou sol por semanas. Na verdade, era um grande mistério o vegetal espinhoso ter sobrevivido tanto tempo.
Em pouco tempo o fogo havia se espalhado para os outros apartamentos. O corpo de bombeiros havia sido chamado e, depois de certo tempo, já conseguia conter as chamas.
Tudo que o nosso protagonista estava pensando era que agora ele demoraria um pouco mais para enviar seu e-mail de resposta.